Aposentos da Hanna

Maxwell caminhava pelos corredores com tranquilidade, estava ali apenas para explorar todos os cantos daquele local, já era um costume seu, todo local que ele ia ele o mapeava mentalmente. Ajudava nas mais variadas situações e o garoto gostava de estar preparado para todo o tipo de situação existente. Usando seus fones de ouvido, a música parecia que ia estourar seus tímpanos, mas o rapaz não demonstrava estar incomodado com aquilo.

- Crucify ghosts in a frozen abyss, ocean of planets in total eclipse - Ele cantava, em voz baixa, quase em um sussurro.

Ele parou na frente de um dos quartos e perguntou-se mentalmente se deveria interagir com alguém daquele local. Sua misantropia normalmente o impedia de ter alguma interação social, mas o pouco de esperança que ele tinha na humanidade pareceu apelar para a consciência dele, e o rapaz bateu três vezes na porta do quarto de Hanna.

Maxwell retirou seus fones lentamente, a música ainda estourando, era possível ouvir que o verso de Yung Scarecrow estava começando, por mais que a maioria das palavras não fossem completamente compreensíveis, já que o áudio vinha de um fone. Quando a porta abriu-se, Max teve que segurar um suspiro, ainda perguntando-se o que estava fazendo ali.

- Ah, olá. Meu nome é Maxwell - Apresentou-se o rapaz, seu tom de voz deixava claro que ele estava entediado

Ele teria falado mais, porém Max não tinha o costume de conversar com pessoas, não por timidez, já que ele era capaz de ser bem sociável quando queria, mas sim por ser um apreciador do silêncio.

O rapaz coçou sua nuca brevemente, e foi então que a sua personalidade pareceu dar uma volta de 180 graus, ele parecia estar um pouco mais relaxado e um sorriso amigável surgiu em seus lábios. A verdade é que toda aquela, aparente, timidez era devido ao fato de que ele estava tentando lembrar-se da maneira correta de se conversar com um ser humano, foi neste momento que o rapaz notou que toda aquela sua misantropia não o ajudava nesses momentos.

- Sim, sim, sou um aluno novo, prazer em conhecê-la, Hanna - O rapaz falou, até seu tom de voz mudara, ele parecia um pouco mais animado - Eu estava só passando por aqui, para ver como era. Espero que não tenha te incomodado.

O modo social de Max finalmente fora ligado no máximo, mas era como um carro velho tentando ligar, ainda ia demorar completamente, precisava dar alguns trancos antes que pudesse realmente funcionar. Mas para começo, já era algo para quem não desejava falar com ninguém. O rapaz até tentou fazer algo para segurar o celular de Hanna, de uma maneira que não atrapalhasse toda aquela movimentação dela, mas no fim o celular caiu no chão, fazendo com que o rapaz soltasse um pequeno suspiro.

- Espero que não tenha quebrado - Falou Max, que na verdade cagava para todos os seus bens materiais.

Max finalmente conseguira lembrar-se da maneira correta de conversar com alguém, então seu sorriso abriu-se um pouco mais, parecia esbanjar gentileza, enquanto seu corpo parecia ficar ainda mais relaxado. O rapaz era tão mutável naquele sentido que era impossível saber qual seria seu verdadeiro eu, nem mesmo as pessoas mais próximas do garoto sabiam exatamente como ele era.

- Obrigado! - Maxwell falou, claramente mais animado. Ele abriu um sorriso gentil para Hanna.

Se alguém visse aquela conversa de uma perspectiva diferente, poderia jurar que o garoto era a pessoa mais doce do mundo, até mesmo o modo como ele falava parecia mudar, as palavras saíam repletas de bondade, o que deixava a imagem de Max muito mais amável e agradável, por mais que o rapaz não fosse nada daquilo que aparentava ser.

- Que bom - Max falou, lançando um sorriso divertido para Hanna.

- Se não for muito incômodo, eu adoraria - Maxwell notara o tipo de garota que Hanna era, mesmo com as poucas palavras que eles haviam trocado, o rapaz era um verdadeiro analisador da humanidade, sendo capazes de reconhecer os mais diferentes padrões em questão de segundos.

Nathanael já descrevera Maxwell como '' O demônio em pele de anjo '', e usou essa frase por vários anos, porém devido a alguns acontecimentos na vida do rapaz, ele parou de falar aquilo, mudando a descrição dele para '' Lobo em pele de cordeiro ''. Aquela frase já se tornara um clichê, e os dois irmãos odiavam clichês, mas no momento aquela era uma opção melhor que a anterior.

- Nem me fale, eu tive que trocar o meu recentemente - Falou Max, finalmente notando que sua música ainda estava ligada. Ele puxou seu celular para fora de seu bolso e fechou o aplicativo, era possível ver que ele não cuidava muito bem do celular, mesmo que este fosse novo segundo ele.

Max era uma pessoa tão organizada que sempre notava quando havia algo fora do lugar, então obviamente notou a bagunça no quarto de Hanna, mas não esboçou reação alguma, como se não fosse nada. E de fato, para ele, não era nada. Cada um vivia do jeito que bem desejava, é óbvio que Maxwell acabaria os julgando em algum momento, mas nunca por coisas pequenas como aquela.

- Por mim, tanto faz. O que você achar melhor.

Max notara esse modo dela, de segurar as pontas da manga da blusa, anotando mentalmente isso como um costume da garota. Todos que ele encontrava, recebiam anotações mentais pela parte do garoto, que tinha listas e listas em sua mente, para cada pessoa que um dia ele já conversara, Hanna não seria uma exceção. Aquele modo diferente de vestir-se também foi anotado, assim como cada detalhe possível da garota, tudo através de um único olhar. Maxwell não era alguém que importava-se com o modo que se vestia, usava uma camiseta branca e uma calça preta, com tênis Nike surrados.

- '' Não se fazem mais coisas como antigamente '' - Recitou Max - Posso jurar que meu pai já falou isso um milhão de vezes.

- Me parece bom!

Max falou, animado. Claro que toda aquela animação era falsa, por mais que o garoto até gostasse de ir para uma praia, ele não desejava ir até o local no momento, mas ainda assim, aquela pequena ponta de esperança em seu coração pareceu exigir que ele fosse com Hanna até o local. Observando toda aquela movimentação dela, ele fez mais algumas notas mentais sobre ela, nunca se sabia quando uma informação como aquelas seria útil.

- Não tenho certeza se ele é sábio, mas é meu pai - O rapaz deu de ombros, tinha uma relação horrível com seu pai - Sim, é sim, meu pai fazia isso direto.

Maxwell também lembrou-se de seu pai, e fechou seu punho em raiva, de uma maneira que Hanna não notasse. Fora seu pai quem lhe causara o maior dano de todas as pessoas que ele já encontrara em sua vida, e isso deixara uma enorme marca no rapaz, tanto mentalmente quanto fisicamente.

- Ah, isso não vai ser um problema.

Havia algo em Hanna que dificultava as ações e manipulações de Max, talvez fosse essa aparente inocência da garota, pessoas como ela sempre foram o ponto fraco de Maxwell, que tinha uma visão tão deturpada do mundo que quando encontrava alguém inocente, isso o desarmava.

- Podemos ir lá também, se quiser - Maxwell devolveu o sorriso para ela - Sim, eles são.

Ele não notara que não estava movendo-se, e assustou-se um pouco com o toque de Hanna. Depois de ter sido evitado por tudo e todos pela maior parte da sua vida, era um pouco estranho sentir o calor humano novamente, a pele de Max formigou um pouco ao sentir aquilo, mas logo ele abriu um sorriso e começou a seguir Hanna.

- Desculpe por isso, minha relação com meu pai, nos últimos três anos, não tem sido das melhores. Mas não vamos falar sobre isso, sim?

- Sim, sim, acho um bom exercício.

Max respondeu sinceramente, sem tentar entender de onde aquele assunto havia surgido, sabia muito bem que ela era uma dessas pessoas e decidiu que apenas iria responder o que ela perguntasse. Havia um pouco de curiosidade começando a ocupar o corpo do rapaz, como que alguém podia ser tão inocente assim? Ele adoraria testar os limites dessa inocência, mas não faria isso, não jogaria tão baixo assim.

- Por mim tanto faz, na verdade, você pode escolher - Falou Max, sorrindo para ela.

Maxwell não era tocado por ninguém havia muitos anos, não daquela maneira pelo menos. Em sua cidade, todos o evitavam o que fazia dele uma pessoa muito solitária. Não que isso fosse um problema, ele apreciava a solidão e o silêncio, mas sabia que para um ser humano isso não era algo muito natural.

- Não, não precisa se desculpar. Eu só estava um pouco distraído - Falou Max, lançando um sorriso gentil para Hanna - Sim, estamos aqui para nos divertir.

A definição que Maxwell Watson dava a palavra ''diversão'' era uma completamente diferente da convencional.

- Na lata. Eu sou sim, um artista. Tanto na parte de desenhos, esculturas e pinturas quanto na parte de música. Por mais que eu me destaque mais na parte de desenhos.

No entanto, Maxwell não sabia de onde ela tirara aquilo. Ele tinha cara de qualquer coisa, menos de um artista. Na verdade o rapaz sempre se julgara como alguém que passava o ar de uma pessoa estudiosa, sempre cercado por livros, mas talvez Hanna tivesse o dom de ler pessoas e não tivesse notado isso ainda.

- Certo, vamos sim. Eu bebo sim, não se preocupe.

Maxwell adorava beber, não importava a circunstância, ele era um pequeno projeto de alcoólatra. No entanto ele sabia seus próprios limites e recusava-se a passar deles, nunca bebendo mais do que o necessário.

- Como eu disse, não se preocupe com isso. Eu só me assustei porque estava distraído - Maxwell mentia tão bem que até parecia verdade. Ele jogou um sorriso tranquilizador para ela - Certo, vamos indo.

- Eu só gosto de pelo menos ser razoável em todas as áreas. Na verdade eu só toco instrumentos, nunca compus de fato uma música, mas claro, posso te mostrar sim.

Ser razoável em todas as áreas não fazia jus a verdadeira habilidade de Maxwell, já que quando ele queria ele aprendia qualquer coisa em uma velocidade absurda, e ficava extremamente bom nela em questão de dias. Mas o verdadeiro desafio vinha antes de ele aprender algo, pois para de fato se interessar em um assunto, era absurdamente difícil.

- Eu sou forte para bebidas, mas devo admitir que passo do limite as vezes.

Aquilo era uma mentira, apenas para criar uma imagem um pouquinho mais... normal. Já que não era comum para um adolescente agir da maneira que Maxwell agia, muito menos ter o auto-controle que ele tinha quando o assunto era bebidas. Só passara de seu limite uma vez em sua vida, e o resultado fora catastrófico. Ele deixou que Hanna passasse o braço dele pelo seu, não ajudaria em nada reclamar.

- Por que parou? Você canta bem - Disse Maxwell, com um sorriso gentil em seu rosto. Aquilo não era uma mentira, talvez fosse uma das únicas verdades que ele contara para ela. Ele gostou de ouvir Hanna cantar, ela era realmente boa, o que não veio como uma surpresa para Maxwell, mas sim como mais um ponto para anotar mentalmente.

- Me parece uma boa ideia - Sorriu Maxwell, olhando para Hanna - A hora que quiser, é só me avisar.

Maxwell finalmente se acostumara com toda aquela imagem de rapaz gentil que estava passando. Algumas máscaras demoravam mais para se encaixar em seu rosto do que outras, mas ainda assim ele tinha que admitir que gostava de se passar por uma pessoa boa, trazia uma sensação que ele não era capaz de descrever.

- Não se preocupe, eu vou cuidar de você.

De fato, nunca deveria confiar-se em um estranho, principalmente para que ele cuidasse de você. Mas por mais que fosse um dos piores seres humanos a já ter existido, Max nunca desceria até esse nível. E por mais que fosse, de fato, um pecado abusar da inocência de Hanna, Maxwell parecia ser a incorporação do pecado, logo ele não se importava.

- Eu, pessoalmente, gosto - Ouvir ela falar que ele era gentil, quase fez com que ele perde-se sua postura. Quase - Não precisa me agradecer, eu só falo a verdade.