Estacionamento

- Aquilo é a perfeição em rodas.

Noah adorava aquela moto, era como se ela fosse asas que grudavam em suas costas, o permitiam voar livremente. Sim, Noah era livre. Para ir para onde quisesse, fazer o que desejava, escolhas ruins ou boas, estas lhe pertenciam para serem feitas. Era como o jovem Ícaro, voando pelos céus livremente, porém suas asas não eram feitas de cera, elas jamais derreteriam. Se caísse por terra, Noah continuaria livre, se morresse, ele morreria um homem livre. Liberdade era algo importante para Noah, era o que justificava suas ações e fazia dele aquela pessoa caótica que era.

O rapaz de cabelos cianos deu uma fraca risada com aquilo, seus olhos voltando-se para ela. Então, desde que as pessoas fossem ruins, ele poderia matá-las sem remorso? Era um pensamento estranho. Normalmente, matar era algo que as pessoas repudiavam. Mas a mente humana era algo conveniente, desde que algo se alinhasse com os pensamentos da pessoa, esse algo que antes era odiável se tornava algo desculpável. Permissível até. '' Acho que matar as pessoas é algo errado... Mas se for para matar bandidos, então não tem problema ''. As grandes massas adoravam abrir exceções.

- De nada - Disse Noah, parando no ponto de ônibus vazio e puxando mais um cigarro, enquanto esperava pelo transporte.

- O que? É uma boa moto!

Ele parecia estar voltando a ser a pessoa de antes, divertida e um tanto barulhenta. Nem parecia que ele assassinara um homem com apenas suas mãos, deixando pouco do rosto dele sobrando. Noah era uma máquina de matar e isso era claramente um problema enorme, porém ele não deixava isso transparecer a todo momento. Para o resto do mundo, ele apenas era um pouquinho louco.

- São... 7:45 - Disse Noah, puxando seu celular de seu bolso.

- Olha... eu acho, mas assim, só acho que me classifico como insano.

Noah estava em um estado tão quebrado que ele fazia constantes piadas consigo mesmo, sobre o quão louco era, sobre a violência de que era capaz, sobre o que vira e sobre o que fazia. Ele certamente não era uma das pessoas mais confiáveis, mas ao mesmo tempo ele era. Pois ele possuía um certo padrão. Noah jamais atacaria uma pessoa como Melissa, a quem ele considerava amiga, porém ele não via problema algum em danos colaterais durante suas missões.

- Pois é, eu fiz você perder aulas... foi mal - Disse Noah, vendo que um ônibus se aproximava na distância. Ele estava praticamente vazio, com apenas algumas pessoas ali dentro e vários lugares vagos. Noah pagou a passagem de Melissa e sentou-se em um dos bancos, indicando para que ela se sentasse ao seu lado, no banco da janela.

Noah gargalhou com a resposta de Melissa. Saber o quão quebrado estava e ainda assim seguir em frente, isso era algo que definia os limites da loucura. Mas ainda assim, ele conseguia parecer são. Não era algo que fazia sentido, mas perante tamanha instabilidade, nada fazia muito sentido. Sentados no banco do ônibus, com os cigarros devidamente apagados e jogados fora, ambos lembravam muito as garrafas de vodca que enchiam o chão das festas. Bonitas, vazias e completamente quebradas. Os olhos de Noah voltaram-se para Melissa, em uma clara expressão de confusão.

- Como assim?

- Você claramente não gosta disso - Noah deu uma pequena risada - Bom, faça o que quiser. Quer continuar lá? Continue. Quer fazer outra coisa? Faça. Essas correntes que te prendem, foi você quem criou. Tudo o que precisa fazer é se soltar e pronto.

Parecia algo fácil de se fazer, principalmente levando em conta o jeito que ele falava. Noah tinha plena consciência de que se libertar daquele maneira não era algo fácil de se fazer, para ele apenas fora fácil porque... bom, ele não tinha ninguém para segurá-lo. Sabia bem que poderiam haver consequências para Melissa, se ela tentasse se soltar daquela maneira, fazer o que quiser sem se importar para o que os pais adotivos queriam ou a obrigavam a fazer. Mas se havia algo que ele odiava naquele mundo, eram correntes e pessoas que ficavam presas por elas. A solução era fácil, porém as pessoas costumavam dificultar tudo durante o processo de libertação.

- Você não é uma escrava.

- Então... Você usa grilhões por escolha própria - Noah via as normas e as leis instituídas ao seu redor como algo que o prendia, assim como outras pessoas. Não chegava a ser uma escravidão, como ele próprio falara, mas era um obstáculo. Para ele, uma pessoa que colocava a liberdade acima de tudo, que a via quase como uma deusa, tudo o que o impedia era apenas um empecilho, algo pelo qual ele passava por cima com sua moto. Claro, uma terra sem leis não seria algo perfeito para ele também, mas quanto menos, melhor. Pelo menos, na mente deturpada dele era isso que valia - Bom, se isso te faz feliz, não pare

Do lado de fora do ônibus, toda aquela mesma paisagem de antes repetia-se, porém agora eles não se afastavam da cidade e sim voltavam para ela. Haviam ido longe, mas não longe o suficiente para a viagem demorar horas. E também, a pista estava limpa com poucos carros, sem nada em excesso. Era uma cidade relativamente pequena, no final das contas. Noah sentava-se no banco do ônibus sem ter nenhuma noção de espaço, suas pernas estavam esticadas e ele estava tão relaxado que parecia que ia cair para fora do banco, escorregar e cair de bunda no chão, porém não havia espaço para isso.

- Faça isso. Estar preso é uma sensação horrível, porém a liberdade que vem depois possuí um dos melhores gostos do mundo.

Noah era uma pessoa livre, no verdadeiro sentido da palavra. Nada o prendia e nada era capaz disso, ele vivia com o vento, indo de um lado para o outro sem ser controlado, sem ser parado. Porém, como a própria Melissa falara, isso era algo solitário, Noah vivia sozinho. As pessoas que estavam em sua vida eram apenas passageiras e ele sabia disso, podia passar alguns meses com elas mas logo ele sumiria novamente, andando em sua moto indo para outro lugar. Mas ele estava com uma sensação diferente sobre Windfall. Ele sentia que aquela era sua parada final. Windfall seria seu túmulo.

- Chegamos - Comentou ele - Eu acho que vou ir atrás da moto. Você vem junto ou vai voltar para a academia?

Noah riu com o comentário da garota. Mas ela estava certa, no final das contas. Ele adorava sua liberdade e fazia de tudo para protegê-la. Haviam duas coisas que regiam Noah, a liberdade e a adrenalina, ambas normalmente andando lado a lado. Isso na verdade até fazia dele uma pessoa simples, sem muitos objetivos complexos e com uma personalidade bem comum, porém tudo isso apenas casava ainda mais com aquele rapaz e seus ideais.

- Eu sei, mas valeu - O rapaz coçou sua nuca e voltou-se para Melissa, o vento balançando seus cabelos azuis, tampando parte de seu rosto - Você se cuide também, Mecânica - Ele virou-se e começou a caminhar na direção de onde sua moto estaria, uma chuva estava por vir, as nuvens negras reunindo-se no céu - Não ouse morrer, caso contrário eu volto e te mato - Murmurou ele por fim de uma forma inaudível, sumindo nas ruas.

A cada vez que Nym acordava, Lennart acordava junto. Seria difícil não acordar, devido aos movimentos bruscos que ela fazia ao despertar de seu pesadelo. E todas as vezes, ele a abraçava e a beijava na testa, acariciando-a e acalmando-a. Não gostava de vê-la daquele jeito, porém não havia muito que pudesse fazer, aquilo não era algo que se curaria da noite pro dia. Só podia ficar ao lado dela e apoiá-la, mantendo-a calma quando o pânico e o desespero a atingissem. Aquilo era algo que apenas o tempo curaria e certamente não faria um trabalho completo.

- Falei com a Leah, pelo que me parece a Natasha pegou a caminhonete dela emprestada para ir buscar o Edrik e eles não voltaram para a casa onde o Inverno Soviético está, então a Natasha deve ter levado ele para o apartamento dele - Lennart usava sua mão livre para também checar seu celular, respondendo a Leah no processo - Parece que é esse endereço aqui - Ele disse, mostrando para Nymeria o seu celular onde encontrava-se a mensagem de Leah com o endereço do hotel, junto com o número do apartamento - Vamos lá, eu te levo.

- Acho que não devem ter feito, a Natasha foi lá só pra buscar ele mesmo.

Lennart tinha medo de Natasha, muito medo. Aquela garota era violenta demais. Ele já havia visto e feito muitas coisas, porém tinha certeza de que nunca vira ninguém como aquela russa. Haviam coisas que falavam sobre ela que davam calafrios no rapaz, principalmente levando em conta como na primeira vez que os dois se conheceram a ruiva ameaçara capar Lennart. Bom, isso fora apenas uma parte da ameaça, ela completa dava para encher um livro.

- Você não precisa me agradecer - Ele virou seu rosto e deu um suave selinho em Nymeria, um gesto de como tudo ficaria bem. Levantou-se e passou as mãos na chave de seu carro - Vamos pro estacionamento então.

- Sim, temos que fazer isso...

Fazia muito tempo que não viam a filha, mais ou menos uns dois dias no total, e Lennart sentia que morria de saudade da pequena. Claro, legalmente falando eles não haviam adotado ela, assim como não estavam casados, mas isso tudo poderia vir depois que lidassem com Vlad. Então teriam tempo, muito tempo, para fazer tudo o que queriam fazer naquele momento mas não podiam. Isso era tudo o que Lennart queria, uma vida ao lado de Nymeria era algo que bastava para ele.

Entrando no carro, Lennart ligou o mesmo e acelerou para fora do estacionamento, as duas mãos segurando calmamente o volante. Conforme dirigia pela cidade, ele olhava para os lados de maneira agitada. Certos costumes demoravam para morrer, e aquele era um que não iria embora tão cedo. Ele ainda temia por um ataque surpresa, ou por algo vindo de qualquer possível aliado de Shadow que sobrara. Maldita paranoia que não ia embora.

- Depois de entregarmos o relatório ao seu pai, temos que sair no nosso encontro.

- Logo vamos poder ver ela!

Lennart estava tentando ser o mais positivo possível. Sabia bem que havia a chance de nunca mais ver sua filha adotiva, assim como sabia que ele poderia morrer caso seu relacionamento com Nymeria fosse descoberto por Vladimir. Porém, havia algo ali que o deixava confiante, mais confiante do que o normal na verdade. Ele sentia como se fosse incapaz de morrer. Talvez ainda fosse aquela estranha substância do Inverno Soviético, percorrendo suas veias, talvez fosse apenas um efeito de ter praticamente voltado da morte. Não importava o que era, Lennart sentia-se intocável.

- Não - Foi sincero, com todas as coisas que aconteceram ele não teve tempo para pensar no que fariam no futuro encontro dele - Que acha de um restaurante?

Em poucos meses, a vida de Lennart acabara por sofrer uma mudança gigantesca. Ele deixara de ser um agente dos Lindberg, uma das pessoas que eram enviadas para eliminar qualquer ameaça ou pessoa que acabasse por irritar Vladimir, e tornara-se um segurança. De começo, ele sentiu raiva, não queria ter que proteger uma garotinha qualquer, principalmente quando sabia que ela podia se defender muito bem. Mas com o tempo ele começou a gostar, talvez por poder provocar Nymeria. Porém logo soube que se devia ao relacionamento que estava construindo com ela. Algo, para a sua surpresa, bem adolescente, feito às pressas e com muito desejo e paixão por trás de si. Uma mudança que ele aceitava de braços abertos.

- Podemos dar uma volta por aí. Tem algum lugar que quer visitar?