Estacionamento

- Certos musicais e teatros explodem em sucesso, como Hamilton por exemplo. - Ainda haviam pessoas que viam valor em teatros e musicais, porém Sigmund reconhecia que eram raros os casos de teatros que entravam em um ápice de popularidade. - Ah, são eles? Não consigo ouvir eles direito daqui.

Havia um sorriso nos lábios de Sigmund, ele gostava bastante da companhia de Lennart e do pouco que falara com Nymeria fora o suficiente para deixar uma boa impressão nele. Claro, ainda havia o fato de que quando eles se conheceram pela primeira vez Sigmund havia acidentalmente pego ela e Lennart enquanto os dois transavam, porém como os outros dois ele preferia esquecer esse pequeno detalhe. Muito mais tarde ele criticara Lennart por ser apressado, dizendo que ele deveria ter esperado um pouco mais antes de fazer qualquer coisa com Nymeria para garantir que os homens de Vlad não estavam de olho neles. Assim como achara que aquele relacionamento estava indo rápido demais, mas se ambos estavam felizes tudo deveria estar bem.

- Ah, ela está sim! - Dante continuou a sorrir para os dois, mas sua expressão logo mudou-se para uma de enorme preocupação. - E você não se feriu demais? Quero dizer, pelo curativo parece que foi um estrago e tanto. Você não deveria estar em repouso?

- Ela já ficou em repouso por alguns dias, o médico disse que ela poderia sair já. - Explicou Lennart, ainda segurando a mão de Nymeria.

Na verdade não havia muito a ser feito ali, os remédios do Inverno Soviético estavam agindo ainda e ao menos o ferimento estava se recuperando bem de modo que ela logo poderia retirar os pontos que haviam sido colocados nela. Mas até lá poderia apenas andar de um lado para o outro, sem fazer muito exercício e sem fazer muita pressão no local da ferida o que significava que eles não podiam dormir juntos ainda, algo que vinha provando ser muito mais irritante do que Lennart imaginara que ia ser. De começo pensara que poderia ficar sem isso pelo tempo que fosse necessário, mas mesmo estando dormindo ao lado da cama de Nymeria ele ainda sentia a vontade de simplesmente ir deitar-se ao lado dela para que a noite pudesse ser um pouco mais tranquila. Era incômodo.

- Bem, vamos entrar. Podemos conversar mais quando estivermos lá dentro.

- O que é uma pena enorme, é uma ótima forma de arte. - Argumentou Sigmund, soltando um suspiro logo em seguida. As vezes era apenas bom ver pessoas que apreciavam o que ele apreciava, mas aquele não parecia ser o caso.

Dante não estava convencido. Ele acreditava que algo havia mordido Nymeria, mas ela não era o tipo de pessoa que deixaria um cachorro grande e feroz chegar perto o suficiente para fazer um estrago desses, notou que era algo que não poderiam falar sobre no momento e decidiu deixar para lá. Era mais fácil seguir a versão deles para mantê-los felizes do que continuar a perguntar e perguntar ao ponto em que ficaria chato da parte dele, portanto apenas sorriu quando Nymeria disse que ele não precisava se preocupar e assentiu, demonstrando que havia concordado com a versão deles dos fatos. Mesmo que soubesse que eram mentiras.

- Entrem, entrem. - Dante virou-se e entrou para dentro de casa, voltando para a sala de jantar onde estavam Hanna e Sigmund. - Len e Nym chegaram.

- É sempre bom ter mais gente. - Sigmund comentou com um sorriso, preparando pratos e talheres para os dois. Quando eles finalmente apareceram, ele disse. - Olá! Estava pensando em chamá-los mais tarde nessa semana.

Ao menos Dante era esperto o suficiente para não continuar fazendo perguntas. Mentiras levavam até uma certa distância e não mais do que isso, eles eventualmente criariam algum buraco naquela teia e isso destruiria todo o resto, mas não era como se pudessem explicar exatamente o que havia acontecido sem parecerem um par de loucos. Coisas estranhas aconteciam naquela cidade, mas dizer que Nymeria fora mordida por uma demônio seria forçar demais a barra para a crença de Dante e das demais pessoas do círculo deles. Talvez menos de Maxwell, ele dissera que era um demônio, provavelmente acreditaria naquela loucura. Seguiu para dentro atrás de Dante, ao contrário de Nymeria ele não pediu licença, já estivera ali tantas vezes que podia dizer que aquela era a sua casa também.

- Se eu soubesse teria esperado. - Lennart riu um pouco e aproximou-se da mesa, puxando uma cadeira para Nymeria e outra para si. Ele olhou para o conteúdo da mesa e riu novamente. - Exagerado como sempre.

- É uma luta muito digna. - Riu Sigmund, divertindo-se com o jeito de Hanna. Bem que Dante falara que ele ia gostar dela.

O ferimento em Nymeria preocupava Sigmund, diferente dos demais ele tinha um pouco mais de conhecimento sobre o oculto e conseguia reconhecer os sutis traços que eram deixados para trás quando alguém era atacado por uma criatura sobrenatural ou por algum tipo de magia, era como se ele conseguisse ver pequenas linhas escuras que deixavam a região do ferimento e lhe indicavam que tipo de criatura havia a atacado. Se ele estava lendo aquilo corretamente, e provavelmente estava, então os rumores que ouvira algumas semanas atrás não soavam tão insanos assim. De início pensou que fosse apenas uma alucinação vinda de um drogado, mas aparentemente nem mesmo as drogas conseguiam esconder aquilo de alguém que olhava diretamente. Também não imaginava que o ser fosse tão descuidado assim, provavelmente fora visto durante um ataque e não notara, bem, não era como se importasse no momento se ela estava bem e Lennart parecia estar tranquilo eles não deveriam estar sendo seguidos por algo.

- Eu só gosto de estar preparado. - Sigmund riu e então lançou um olhar preocupado para Lennart, certamente recebendo um que dizia ''deixa pra lá'' de volta. - Bom, se está bem então é isso que importa.

- Vocês tem que experimentar o bolo de sorvete, está ótimo! - Dante voltou para a sua cadeira, sendo o último a se sentar.

Lennart captara o olhar de Sigmund, era um repleto de perguntas e que não poderia receber muitas respostas. Mas talvez ele acreditasse, lembrava-se de ter visto alguns livros de ocultismo na sala dele e imaginava que para ele ter aquilo significava que acreditava em certos aspectos ou que ao menos tinha bastante conhecimento para dizer quando alguém estava falando a verdade ou estava mentindo sobre o assunto. Mas não poderiam fazer nada naquele momento, portanto apenas lançou um olhar para Sigmund para que ele esquecesse aquilo por enquanto e que poderiam discutir isso depois que as visitas tivessem ido embora... As visitas no caso Dante e Hanna, não ele próprio e Nym. Porém no caso Dante não era uma visita, mas sim um morador daquela casa ele só ficava mais tempo no seu quarto por opção e, agora, por querer ficar perto de Hanna. Bom, de qualquer maneira, quando os dois tivessem ido embora poderiam falar um pouco mais sobre aquilo, por enquanto ele pegou uma fatia de bolo de sorvete para Nym e pegou uma para si.

- Conhecendo o Sigmund, isso aqui foi preparado com os melhores ingredientes possíveis.

O que fora um café da tarde nada modesto havia se tornado em uma pequena reunião de família, Sigmund imaginava que nem Lennart e nem Dante haviam explicado para Hanna sobre o relacionamento que possuíam portanto não queria ser o primeiro a fazê-lo uma vez que poderia gerar confusão e bem... Teriam que falar sobre o passado de Lennart um pouco e isso não era algo que o rapaz gostaria de reviver em nenhum momento da vida, quanto mais pudessem atrasar aquele momento, mais chances teriam de criar uma explicação que evitasse o passado de Lennart como um órfão nas ruas de Copenhague e até mesmo evitasse qualquer conversa sobre guerra, o rapaz ainda era bem marcado pelo o que acontecera.

Dante levou um pedaço de bolo até a sua boca e pareceu sorrir enquanto comia, ele nunca tivera uma reunião de família daquela maneira. Era engraçado pensar naquilo como uma família, Dante fora adotado por Sigmund e criado por ele enquanto Lennart fora adotado por John e criado por ele e Sigmund, então de certa forma ele tinha dois pais enquanto Dante tinha um pai e ambos não tinham mães. Não possuíam ligamentos por sangue e nem mesmo em papéis oficiais, mas ainda assim se consideravam próximos o suficiente por conta de tudo o que ocorrera na Casa. Eram uma família no sentido de que um grupo de amigos era uma família, então nesse caso Maxwell e Melissa também faziam parte daquela família, talvez sendo os tios que gostavam de beber e de... se amar, para não usar um termo mais cru. Talvez, se fossem ser bem diretos, fosse mais correto dizer que tinham uma amizade bem reforçada.

- É tãaoo bom. - Dante deliciou-se com o bolo, feliz.

- Coma um pouco mais. - Incentivou Sigmund, falando com Nymeria. - Se eu soubesse que vinham eu teria preparado mais...

- Aí ia realmente sobrar muita comida, teria que jogar fora.

- Poderia ter corrido melhor...

Lennart resmungou aquilo enquanto cutucava o bolo com o garfo, não estava particularmente faminto e havia vindo até ali para conversar sobre assuntos um pouco mais sérios do que aquilo. Não que estivesse achando ruim, ele só sentia que havia se programado para algo e agora estava tendo que lidar com outra coisa completamente diferente e ultimamente sua ''programação social'' estava bem desgastada de forma que ele não era mais o rapaz repleto de sorrisos, charme e segundas intenções. Nymeria já havia notado isso, ter se aberto para ela sobre o que fizera na guerra havia realmente mexido com ele de forma que já não conseguia ignorar e esquecer o que havia acontecido, mas decidiu fazer o seu melhor naquele momento para interagir com o resto experimentando um pouco do bolo de sorvete.

- É bom mesmo. Mas eu não deveria estar surpreso, foi o Sigmund quem preparou. - Lennart pegou mais um garfo de bolo e ergueu-o, olhando para Nymeria. - Sim, coma mais. Abra a boca, amor.

Se parasse para pensar, Dante utilizava o termo ''irmãos'' como se não fosse nada, era extremamente fácil adicionar um membro à sua família de amigos quando se tratava de um rapaz tão gentil e amável como Dante. Mas era verdade, duas pessoas que ele tinha como irmãs estavam ali na sua frente em um relacionamento saudável e ele se sentia felizes por elas, mas nada se comparava a todas as dobras que Dante tivera que fazer para ignorar o fato de que um dia dissera que Hanna era sua irmã e que ambos iriam ajudar os amigos com os problemas deles como dois irmãos fariam. Ele realmente precisava parar de chamar as pessoas de irmão e irmã, pois se tudo isso fosse realmente valer ele, no momento, estava em tomando um café com seu pai, seu irmão, sua irmã que estava namorando o seu irmão e sua irmã com quem ele pretendia se casar. Há a piada recorrente que o sul dos Estados Unidos é repleto de incesto, em especial a música ''Sweet Home Alabama'' é utilizada como meme quando surgem casos de incesto nas notícias, é especialmente usado quando se é no estado do Alabama obviamente. A música poderia ser aplicada ali, não seria completamente correto, mas poderia ser aplicada ali para certo efeito cômico.

- A Nym é uma das pessoas mais fortes que eu conheço. - Dante acompanhou o argumento de Hanna com um sorrisinho. - Ah sim, pra ser bem sincero eu meio que encomendei as alianças já. Só vamos poder usar elas daqui um ano ou dois, ou quando acharmos correto, mas esse é o plano.

Lennart sorriu docemente quando Nymeria comeu de seu garfo, poderia parecer algo bobo, mas ele adorava coisas desse tipo. Eram os pequenos momentos partilhados entre eles que Lennart mais valorizava, ele sabia que eram esses quem construíam o relacionamento que possuíam e faziam ele ser tão forte como era, eles haviam começado bem rapidamente isso era uma verdade, porém com o tempo eles passaram a ter mais e mais contato emocional um com o outro e quando notaram já não podiam viver um sem o outro. Lennart pegou um pouco do bolo para si, aprovando o sabor dele com um sorriso, sabia bem que Sigmund havia o preparado bem, tanto por confiar na opinião dos amigos como por conhecer o homem que estava sentado ali, sorrindo amavelmente para todos.

- Não acha meio cedo? - Lennart parecia ser imune à ironia que existia em ele, entre todas as pessoas, fazer aquela pergunta.

- Não! - Ele disse ao mesmo tempo que Hanna, levantando-se um pouco da cadeira por instinto.

Não era cedo demais e jamais seria cedo demais, poderiam estar casados naquele exato momento se as leis daquele país fossem diferentes e certamente estariam levando vidas felizes juntos apesar do quão jovens eram, mas Dante precisava admitir que já havia considerado que talvez ele e Hanna estivessem indo de uma maneira rápida demais, haviam acabado de começar o namoro e agora queriam casar-se assim que fosse possível, talvez não fosse a melhor das ideias. Mas era o que iam fazer, não importava o que outros achassem eles iriam se casar assim que achassem o melhor momento.

- Obrigado, Nym! Eu desejo felicidades para vocês dois também.

- Só vou avisar vocês dois que vida de casado não é só morar juntos, vão vir vários problemas juntos e é bom que vocês estejam ambos firmes para lidar com o que vier. - Sigmund alertou, comendo mais um pedaço de bolo.

- Ninguém aqui te superestima meu amor, todos sabem bem o quão incrível você é.

Lennart era certamente o que mais sabia o que Nymeria aguentava e não aguentava fazer e as vezes a lista de coisas que ela era incapaz de fazer por conta própria parecia tão minúscula que ele chegava a se perguntar se ela tinha algo que realmente não conseguia fazer sozinha. Para encurtar a história, sua namorada/esposa era incrível e não havia ninguém no mundo capaz de convencer Lennart do contrário e quem tentasse seria fuzilado por uma corrente de palavras defendendo Nymeria em tudo que fosse necessário defender, ela era verdadeiramente impressionante e ele estava feliz por tê-la ao seu lado.

- Okay, okay. Só perguntando mesmo. - Lennart se deu por vencido, comendo do pedaço que Nym lhe oferecera.