Estacionamento

- Vale. Vale muito a pena. - Sigmund pensou. Ao custo das vidas de vários outros, mas era um trabalho que valia a pena.

☼ Estavam se contradizendo um pouco, Sunny dissera para Hanna que eles eram um ''grupo de pessoas com boas intenções'' e que ''faziam o bem e promoviam a paz''. Não era tão longe da verdade assim ou do que Sigmund falara, porém Sunny dera a entender que era uma ONG que estava indo ao redor do país ajudando as pessoas enquanto pelas palavras de Sigmund eles também seriam uma ONG cujo foco era ajudar órfãos. Duas coisas bem diferentes, apesar das similaridades. ☼

- Eu gosto de passar meu tempo junto de pessoas mais novas, me ajuda a entender melhor as crianças que resgatamos. - Sigmund suspirou, parecendo brincar com sua comida um pouco. - Daqui alguns dias terei que partir novamente, estamos prestando socorros aos órfãos da guerra no Afeganistão.

- Campos de guerra nunca são bons de visitar. - Murmurou Dante, apesar de nunca ter estado em um. Apenas sabia o que sabia devido ao que Lennart havia lhe contado.

☼ Sigmund não poderia falar que alguns dos órfãos que estariam adotando seriam treinados para o combate, primeiramente porquê seria burrice revelar para Hanna o verdadeiro propósito de sua organização, segundo porquê isso certamente iria piorar a imagem de Dante aos olhos dela e, não sendo menos importante, porquê não era o momento para isso. Talvez em um futuro mais distante, onde as coisas estivessem mais bem organizadas e o plano final da Casa estivesse pronto para ser executado. ☼

- Vamos mudar o assunto. - Pediu Dante, queria aliviar aquele clima, mas não sabia bem como.

- O que você estuda, Hanna? Acho que o Dante nunca me contou. - Sigmund perguntou, voltando a comer.

- Acho que comentei sobre muito antes de a gente começar a namorar. - Disse Dante, coçando seu queixo enquanto tentava lembrar-se se havia realmente contado para Sigmund.

Não que importasse muito, o pai estava apenas criando assunto. Ele sabia bem sobre Hanna e sobre o que ela estudava, na verdade ele sabia tanto sobre os amigos de Dante que chegava a ser preocupante, porém era necessário para evitar que ele acabasse formando amizade com as pessoas erradas. Pessoas que sabiam de sua origem e pessoas que poderiam querer aproveitar-se dele, mas até agora ninguém surgira e Sigmund levava isso como um bom sinal, Dante estava bem escondido no final das contas.

- Teatro é? Eu queria que o Dante estudasse música ou teatro, mas ele insistiu que queria estudar psicologia em uma academia focada em artes. - Sigmund suspirou e tomou um gole de suco.

- Psicologia é a arte da mente, está valendo ainda. - Dante riu.

- Fiquei sabendo que a academia estava buscando expandir um pouco os seus cursos. - Sigmund falou de maneira descontraída.

☼ Como se ele não fosse o motivo de ter um curso de psicologia na academia para começo de conversa, o curso de química também fora adicionado por forças externas e fora expandido pelos Lindbergs. Dinheiro falava mais alto que tudo e por um certo investimento Sigmund conseguira criar um local para seu filho estudar, enquanto mantinha seus olhos na produção de Shadow e enquanto mantinha Lennart ao seu alcance. Tudo ali era extremamente útil para ele e certamente se esforçara um pouco para se garantir que as coisas seriam desse jeito. ☼

- É, o meu curso é o mais recente. E é bem pequeno também, mas é bom o suficiente. - Comentou, enquanto pegava mais um salgadinho.

- É difícil imaginar isso, mas parece que é para onde a academia está indo mesmo.

☼ Dante achava muito improvável que Blackwell se tornasse uma academia mais normal, porém também não era tolo o suficiente para desviar o seu olhar das grandes evidências de que a instituição estaria no mínimo dando um passo nessa direção. Além de criarem novos cursos eles estavam sempre incentivando os alunos a expandirem-se mais e a estudar mais sobre outras áreas, apesar de muitos preferirem ficar na sua própria bolha não eram poucos os alunos que concluíam um curso e retornavam para iniciar um novo. Talvez, em um futuro um pouco distante, esse local estivesse pronto para receber todos os tipos de alunos com a mesma excelência que recebia os artistas atualmente. ☼

- Não quer dizer que no futuro todos os cursos estarão em pé de igualdade, imagino que os de arte continuarão sendo o foco da academia. - Comentou Sigmund, comendo mais um pedaço do bolo.

☼ Para Dante era curioso debater o futuro de Blackwell já que ele fazia parte de um dos novos cursos que poderiam se tornar o centro das atenções futuramente. Porém tendia a concordar com o pai, seria muito improvável que houvesse uma mudança tão grande assim dentro da academia, era mais provável que continuassem a focar nos cursos de arte enquanto davam uma atenção mínima para os demais cursos. Pensava se no futuro seus filhos cursariam naquela mesma academia. Provável que sim, porém ainda era um sonho estranhamente próximo e distante ao mesmo tempo. ☼

- E pessoas ainda mais incríveis poderão vir até aqui.

☼ Dante sugeriu aquilo com um pequeno sorriso, sabia que os planos de seu pai envolviam enviar os Treze Fúrias para viverem uma vida normal em algum lugar, então por que não ali? Era uma cidade longe dos olhos gerais e isso a deixava mais protegida que as demais, ninguém iria pensar em buscá-los ali e jamais poderiam dizer que não teriam uma vida boa quando havia tanta tranquilidade aos arredores assim. Claro, haviam coisas estranhas que ocorriam ali por perto, mas Dante nunca vira uma dessas tais coisas portanto não podia dizer se elas realmente existiam ou não. ☼

- Vocês dois realmente adoram conhecer pessoas novas. - Sigmund riu baixinho, porém não de uma maneira condescendente, ele parecia aprovar esse gosto de amizades novas que ambos tinham.

- É ótimo conhecer pessoas novas. - Disse Dante, sorrindo de maneira adorável. - Cidades pequenas são ótimas, dá pra praticamente conhecer todo mundo.

☼ Não dava para conhecer todo mundo, mas isso não impediria Dante de tentar. Estava sempre criando amizades novas e indo para locais novos, descobrindo coisas e de certa maneira aventurando-se na cidade de Windfall, recentemente fizera amizade com um rapaz que ainda era novo na cidade e que estava ajudando a mãe com o trabalho de fotografia dela, acabara descobrindo que esse mesmo rapaz tinha um gosto pro artes marciais, em especial o boxe que desejava voltar a praticar mas precisava ficar auxiliando a sua mãe para poderem sobreviver. Histórias como essa eram comuns em cidades grandes, mas ganhavam um charme especial em uma cidade pequena. ☼

- O Maxwell disse que ele tem a história mais estranha de toda Windfall, ficando empatada com um tal de Noah. - Dante duvidava e acreditava que ele próprio era quem tinha a história mais estranha, mas aquilo não era uma competição.

☼ Windfall parecia ser um ponto onde as pessoas mais diversificadas se encontravam, pessoas com histórias esquisitas, pessoas com grandes ambições, pessoas com costumes estranhos, pessoas divididas entre luz e trevas... Todos os tipos de pessoas que poderia ser imaginado existiam ali naquela cidade, desde os mais normais até os mais absurdos, era algo que tornava aquela cidade bem única aos olhos de Dante. Todos os locais do mundo possuíam coisas desse tipo, porém era apenas em Windfall que isso parecia ser concentrado e que lhes dava a oportunidade de conhecer pessoas que vinham de todos os caminhos da vida. Era um lugar de aventura. Uma aventura bizarra, mas uma aventura. ☼

- Esses dois são um casal e tanto. - Suspirou Dante. - Mas estou feliz por eles.

☼ Havia uma clara preocupação na voz de Dante, seus dois amigos haviam sofrido bastante e passado por diversas coisas de modo que suas mentes estavam com sequelas do que haviam sofrido. Maxwell era o exemplo mais óbvio, passara meses de sua vida afirmando ser um demônio ou ao menos uma pessoa tão ruim quanto um demônio, seu sofrimento era o gatilho que disparava todo aquele lado ruim dele, o lado que se odiava acima de tudo. Melissa por sua vez... Bem, o tempo que ela passou em Blackwell falava por si só, ela não era uma pessoa ruim, apenas tinha seus problemas e lidava com eles de uma maneira violenta. No final das contas ambos estavam quebrados e Dante adoraria juntar cada pedacinho e pôr eles de volta no lugar, mas sabia que era impossível. Ao menos eles se completavam, com falhas e tudo. ☼

- Nós somos perfeitos um para o outro.

☼ Dante piscou de volta, não só eram similares em personalidade e em diversos outros aspectos, como pareciam ter aquele gosto de ir além para auxiliar os seus amigos no que eles precisavam, mesmo que fosse apenas com palavras ambos pareciam demonstrar bastante de si em poucas frases e isso acalmava certas pessoas que encontravam-se em dúvida sobre algumas coisas. Era, de certa forma, refrescante ver pessoas que conseguiam demonstrar seus corações sem medo de serem feridos por outros, e era justamente assim que Hanna e Dante eram. Muitas vezes foram comparados com anjos, havia um bom motivo para isso. ☼

- São perfeitos um para o outro mesmo. - Sigmund comentou, com um risinho. - Fico feliz que meu filho tenha encontrado você, Hanna.

- Sem dúvida alguma.

☼ Para Dante, ele havia ganhado na loteria da vida quando encontrara Hanna. Seu relacionamento começara rápido, nenhum dos dois sabia bem como agir e o que deveriam fazer, mas conseguiram ir levando aquilo aos poucos com passos bem cuidadosos da parte de ambos. Talvez... Talvez tivesse sido cedo demais para começarem aquele namoro, outras pessoas precisavam de mais tempo para se conhecer melhor e para entender direito como se sentiam pelo o outro, mas como Hanna dissera eles eram almas gêmeas e não precisavam daquele processo todo uma vez que já se entenderam completamente apenas com as primeiras palavras que trocaram. Sim, fora rápido, mas não havia outro jeito para ser uma vez que foram feitos um para o outro e podiam caminhar de mãos dadas confiantemente através dos campos da vida. ☼

- Eu duvidei de você um pouco, mas agora vejo que ela é queridinha do jeito que você disse. - Sigmund falou, rindo e olhando para Dante.

- Eu nunca minto. - Disse ele, sabendo que mentia com certa frequência pelo bem dos outros.

- É o que você é, ora essa. Uma queridinha. Você está sempre se preocupando com o bem-estar dos outros, está sempre fazendo o que pode para ajudar aqueles que encontra e se preocupa bastante com o modo como as coisas estão progredindo e sempre se garante de que os seus amigos estejam em uma boa situação, você escuta os outros quando eles precisam de um ouvido...

- Okay, não precisa fazer um TCC sobre isso. - Sigmund falou dando dois tapinhas leves na cabeça de Dante.

☼ Sigmund evitou dizer que tudo o que Dante havia enumerado era feito pelo próprio rapaz e que, seguindo essa lógica, ele também era um queridinho. Era engraçado ver como aqueles dois combinavam tanto e como realmente pareciam terem sido feitos um para o outro, deixando o homem um pouco surpreso com o fato de que eles tivessem demorado tanto para começar algo principalmente quando eram verdadeiras almas gêmeas. Bem, tudo ao seu tempo. ☼