Quarto do Dante

- Na verdade não, acabei de terminar um trabalho que tinha e estava descansando um pouco. Por quê? Quer entrar e conversar um pouco?

☼ Ele tirara essa conclusão baseado apenas no olhar que Hanna tivera quando ele abrira a porta, óbvio que a abraçara de volta com um sorriso no rosto, rindo conforme ela esfregava-se contra ele. Mas ele conseguira capturar aquele olhar de preocupação que ela tinha, assim como ela parecia estar um pouco amedrontada com algo. Bom, não importava o que era, ele estava disposto a ouvi-la e a ajudá-la no assunto que fosse, era basicamente parte do que fazia para com todos os seus amigos, não seria diferente com sua namorada. ☼

☼ Dante piscou duas vezes para Hanna e, em resposta à aquilo tudo, apenas deu alguns passos para trás e gesticulou para que ela entrasse. Como se ela fosse capaz de perturbar o descanso dele, principalmente considerando que já estava descansando havia algum tempo, mas não importava a situação, Hanna apenas enchia o mundo de Dante de felicidade, nunca fazia mais peso. Na verdade, ela não tinha peso negativo na vida dele, não era um fardo que ele carregava, para Dante era justamente o contrário. Logo logo ele se tornaria um fardo para Hanna. ☼

- Converse comigo, qual o problema?

☼ Ele sentou-se na cama e logo em seguida endireitou-se para ficar na mesma posição que Hanna. Notou que ela mexia nas pulseiras e imediatamente soube sobre o que se tratava aquela conversa. Não achou que era uma boa ideia revelar que havia visto as cicatrizes e bem, aquilo era claramente algo conflitante dentro de Hanna e algo que provavelmente debatera sobre como fazer por alguns dias, portanto não queria simplesmente falar e fazer ela sentir como se todo o impacto que os últimos dias tiveram fora inútil. Limitou-se a segurar e acariciar gentilmente as mãos dela, com um pequeno sorriso triste em seu rosto. ☼

- Eu consigo notar que é algo difícil pra você e eu fico feliz que confie em mim, mas não precisa se apressar. Fale tudo no ritmo que achar melhor.

- Ah...

☼ Ele não podia fingir surpresa, já havia visto antes quando dormiam juntos, mas agora ele podia ver mais claramente do que antes e sabia dizer que haviam sido profundos. Não queria perguntar o porquê, não queria ser insensível com a dor dela. Ela poderia ter superado, mas como dissera ficaram marcas e elas jamais sumiriam, tal qual a dor que ela sentira apenas diminuiriam conforme o tempo. Dante não passou a mão sobre as cicatrizes, apenas segurou suavemente os pulsos dela e deu um leve beijo na testa dela. ☼

- Você quer conversar sobre o que... O que te levou a fazer isso? - Dante perguntou, seu olhar era um de compaixão e tristeza. - Eu te amo, isso nunca vai mudar.

☼ Ele abraçou-a de volta, sua mão direita subindo e acariciando suavemente os cabelos dela. Podia apenas imaginar pelo o que ela tinha passado, nunca estivera em uma situação similar e sabia que deveria mostrar carinho, compaixão e amor, mas ao mesmo tempo não sabia nada do que dizer de forma que continuou a acaricia-la daquela maneira. Sabia que ela gostava disso, então... Ao menos um pouco de conforto, até encontrar as palavras que expressassem melhor o que ele queria dizer. Não as encontrou, mas sabia que deveria falar. ☼

- Depois disso você... - Ele não completou, não conseguiu. Mas sabia que receberia uma afirmativa de Hanna. - A morte leva mais do que a vida de quem amamos, leva uma parte da gente, uma parte que é boa. Essa dor sempre é incompreensível e cada um lida com ela de sua própria maneira... O que estou tentando dizer é que sei que fez o seu melhor para lidar com isso, mas que se essa dor ainda estiver presente, eu vou ajudar você a carregá-la... Desculpe, sou ruim com falas.

- O que aconteceu?

☼ Uma pergunta mais simples, talvez fosse melhor ficar com as perguntas mais simples. Continuava acariciando suavemente a cabeça de Hanna enquanto o outro braço mantinha-a com um aperto confortável, queria poder simplesmente passar o dia todo abraçado com ela como se aquilo fosse fazer toda a dor que ela sentia fosse embora. Entendia que era algo que ela já havia se esforçado e superado, mas uma perda como aquela era difícil de superar e acima de tudo... Jamais seria superada. Ainda teriam dias onde a falta da mãe doeria mais em Hanna, onde as memórias voltariam com tudo e onde, por um momento, todo o peso gerado pela falta que ela fazia cairia sobre ela. Dante estaria lá, para ajudá-la. Tinha que estar. ☼

- Você sobreviveu e pôde notar o seu erro, pôde colocar em ação as mudanças necessárias. E o mais importante, pôde ver um novo dia. Eu prometo, Hanna, enquanto você permitir a minha presença na sua vida você nunca mais vai se sentir sozinha.

☼ Ele a abraçava forte, não o suficiente para que ela ficasse sufocada nem nada do tipo. Ouvir ela soluçar daquele jeito foi uma facada direto em seu coração, havia pouco que ele podia fazer naquela situação e estava realmente fazendo esse pouco, ele estava ali por ela. Não podia voltar para o passado e de alguma maneira salvar a mãe dela, não podia magicamente remover as dores que Hanna sentia e, diferente de contos, não podia dar um beijo mágico que solucionaria tudo. Afastou um pouco Hanna e segurou gentilmente os dois pulsos dela, erguendo-os lentamente. ☼

- Você disse que essas marcas te causam vergonha. Eu entendo, pessoas podem ser cruéis e podem julgar até mesmo o que não entendem. Mas quero que saiba que elas não mudam a opinião que tenho sobre você e, mais importante, não mudam o amor que sinto por você. - Ele abaixou seu rosto e deu dois beijinhos suaves em cada marca. - Você é linda. Eu amo cada canto seu, essas marcas incluídas. E eu sempre vou amar você.

☼ Dante acabou comovendo-se também e algumas lágrimas deixaram os seus olhos, ele deu uma risadinha fraca com o beijo na testa e ergueu seu rosto encostando a ponta de seu nariz na ponta do nariz de Hanna. Ficou assim por um momento e então deu um curto beijo nos lábios dela. Não se importava com as lágrimas, com o fato de ambos estarem tremendo um pouco por conta do choro ou por aquilo ter começado como Hanna contando algo trágico para ele e ele fazendo seu papel de namorado e apoiando-a conforme ela relembrava um momento difícil. Através daquele beijo ele desejou passar para ela toda aquela paixão que sentia, o carinho, o amor, a ternura e tudo o mais que sentia por ela... Eeeh, exceto por uma coisa, mas isso não estava passando pela sua cabeça no momento. ☼

- Eu te amo... - Ele repetiu-se, decidindo então fazer uma leve piada com um toque de realidade, pra tentar levantar os ânimos. - Então... Compro as alianças agora ou prefere esperar mais um pouco?

- Você sabe que é sim. - Ele riu, abraçando-a de volta. - Eu dou à você a minha vida toda.

☼ Talvez fosse um pouco inocente falar aquilo no começo de um relacionamento, ainda mais um tão recente como aquele, mas Dante não tinha planos de deixar Hanna e não o faria nem que fosse obrigado. Tinha a chance de pagar pelos seus erros do passado, sendo uma pessoa melhor naquele momento que estava vivendo, portanto simplesmente abandonar isso tudo não lhe parecia certo. E, acima de todos esses motivos, ele a amava demais para sequer imaginar uma vida sem ela. Ficaria ao lado dela para todo o sempre se assim fosse necessário. ☼

☼ Dante acabou rindo junto de Hanna, tanto pela reação dela como pelos beijinhos que recebia naquele momento, por fim seus risos cessaram devido ao beijo que correspondia. Como tinha sorte de ter alguém como ela em sua vida, talvez nunca pudesse ter começado a escapar daquele buraco de ódio sem ela para encorajá-lo, para estar ao seu lado quando mais precisava e para dar à ele forças quando lhe faltavam. Não adiantava pensar no que já fora e nem no que poderia ter sido, agora ele tinha alguém que fazia-o desejar ver a luz que vinha no horizonte do amanhã, tinha alguém por quem viveria. ☼

- Para todo o sempre. Enquanto você me quiser, eu estarei ao seu lado. - Dante sorriu para ela, um sorriso um pouco nostálgico. Costumava sorrir daquela maneira sempre, antes de recuperar suas memórias, o sorriso de um anjo. Sorriso esse que estava agora reservado apenas para ela. - Mas acho que toda a eternidade não vai ser o suficiente, eu sei que vou sempre desejar passar mais tempo ao seu lado.

- Não tenho argumentos contra isso.

☼ Ele riu um pouco, um riso um pouco triste. Não julgava ser a pessoa certa para Hanna, pelo menos não quando tinha toda aquela tonelada de problemas que não conseguia resolver, problemas que sentia que deveriam ser simples, mas que estavam longe de serem isso. Enquanto não resolvia isso, porém, decidiu dedicar-se um pouco mais ao que tinham ali, sabia que a mudança dele não seria súbita e talvez nem começasse tão logo assim. Mas iria mudar. ☼

- Eu também te agradeço por ser você. Seu amor é o que alegra meus dias, Hanna.

☼ Era fascinante o modo como Dante se encontrava naquele momento, dado seu passado ele era capaz de enfrentar as situações perigosas com tranquilidade em sua face, dado o seu tempo como Griffin ele era capaz de aguentar complexas conversas com pessoas que desejavam manipulá-lo e dado seu ''eu'' atual ele conseguia ver carinho e amor em todos os cantos e era capaz de lidar com situações que envolviam ambas as coisas com facilidade. Porém aquilo estava provando ser um pouco mais estressante do que ele havia pensado ser, ele já havia passado por experiências similares antes e deveria ser aquele que guiaria a situação toda, entretanto seu coração teimava em acelerar-se cada vez mais, forçando-o a andar de um lado para o outro no quarto com um olhar preocupado em seu rosto. ☼

☼ Haviam combinado que usariam o quarto dele, não havia motivo nenhum em específico para ser assim, só fora assim que haviam decidido fazer. Ao mesmo tempo que sabia que tentar fazer tudo ser perfeito só levaria a frustração, ele não queria que a primeira vez de Hanna fosse uma memória ruim no futuro, queria que ela pudesse se lembrar daquele dia e que a primeira coisa que viesse a sua mente fosse o amor entre eles. Parou de andar de um lado para o outro, sentando-se na sua cadeira e começando a girar a mesma enquanto olhava para o teto, não precisava ser tão complicado como ele estava fazendo ser, era só ir tranquilamente e ambos teriam um bom final de dia. Lutava para silenciar esse lado assustado assim como lutava para silenciar o seu lado que teimava em culpá-lo. Como Griffin, os relacionamentos que tivera foram criados em cima de uma mentira de amor, quando na realidade ele buscava apenas as sensações carnais. Um canto de sua mente o lembrava disso e insistia que ele estava tentando fazer o mesmo com Hanna. Seria estúpido mentir e dizer que não havia um pouco de luxúria em seu corpo, mas aquele não era o foco naquele dia. ☼

☼ Naquele dia, queria apenas amá-la e poder demonstrar tudo o que sentia e que não tinha palavras para descrever. ☼