Quarto do Dante

- É engraçado porque você é russa.

✮ Dante deu uma curta risada logo em seguida, deliciando-se em seu próprio trocadilho ruim. E como não poderia? Era uma pessoa que divertia-se com as coisas pequenas na vida, com tudo o que era dispensado e deixado de lado pelos outros. Gostava dos momentos de silêncio que passava com seus amigos, gostava de caminhar ao lado deles e conversar sobre qualquer assunto que fosse. Nymeria certamente teria notado isso. ✮

- Ah, é. Bom, não sei como dizer isso sem ficar sorrindo igual a um idiota, mas eu estou namorando. - E logo em seguida começou a sorrir igual a um idiota. - O nome dela é Hanna Blackwell.

- Ainda conta!

✮ Ele deu mais uma pequena risada, divertia-se muito quando conversava com Nymeria. Mesmo que agora soubesse do que ela normalmente fazia, mesmo que ela tivesse em mente o que ele fora, eles não permitiam que isso impedisse-os de tratar o outro com carinho. Podiam até odiar suas origens, ou odiar a si mesmos, mas nunca um ao outro. Não, pelo o outro só tinham apego e confiança. ✮

- Eu amo ela. Ela é tão... - Suspirou de uma maneira sonhadora, aquele sorriso ainda em seus lábios.

- Perfeita!

✮ Hanna era perfeita, disso ele não tinha duvida alguma. Apenas estar perto dela era algo que animava-o, que fazia dele a pessoa mais feliz do mundo. Não conseguia pôr aquilo em palavras, e como conseguiria? É impossível descrever a perfeição. Porém sabia o que estava sentindo, sabia o que estava dentro de si e o que se expandia cada vez mais quando a via. Um amor incontrolável e conquistador, que ganhava cada vez mais espaço na vida dele. ✮

- Eeeh, não. Na verdade o seu sorriso é mais discreto que o meu.

- Não sei mais o que dizer, na verdade. Ela é linda, é bondosa, é simpática, é carinhosa... Eu posso ficar um dia inteiro falando sobre todas as coisas boas que ela tem.

✮ Hanna não possuía falhas, apenas qualidades. Era assim que Dante a via e tinha certeza de que muitos a viam assim também, como uma pessoa querida e merecedora de todo o amor que recebia. Quando estava sozinho a mente de Dante vagava e fantasiava sobre como seriam os seus dias ao lado dela, dias perfeitos onde iriam se casar, morar juntos e até mesmo ter filhos. Seria a vida perfeita e só seria perfeita por ele ter Hanna em sua vida. ✮

- Nós vamos ser felizes juntos, tenho certeza disso. E tenho certeza de que você e o Lennart serão também!

✮ Dante não conseguia enxergar nada além de um futuro perfeito para ele e seus amigos, claro havia sempre perigo e preocupações assim como existia o inesperado, mas do jeito que as coisas estavam caminhando logo tudo se ajeitaria e logo a calma iria vir. E mesmo que surgissem problemas, eles iriam superá-los, era o que faziam perante o perigo. Dante tinha seus próprios problemas internos e Hanna estava ajudando-o a superá-los, mas era algo que iria se consertar com os anos que estavam por vir. ✮

- Certo.

✮ A casa do Inverno Soviético era um tanto quanto grande, apesar de estar longe de ser a maior residência da cidade era óbvio que ela fora feita para acomodar um grande número de pessoas. Os únicos que realmente ficavam ali eram os quatro principais membros, que eram chamados de líderes apesar de o comandante de facto era Ivan, mas por diversas vezes outros membros acabavam por ficar no local por alguns dias para resolver quaisquer assuntos que fossem necessários. Naquele momento, porém, havia apenas três membros no local com um deles estando do lado de fora. ✮

✮ Perante aquela casa de coloração amarelada com um jardim abandonado na sua frente estava uma pessoa que era uma visão comum para Nymeria, uma que até mesmo lhe trazia certa felicidade. Para Dante, porém, a visão era intimidadora. Era um homem enorme, com a cabeça raspada e uma longa barba escura escondendo parte do seu rosto. Seu olho esquerdo era cego e havia uma enorme e notável cicatriz no local. O homem estava sentado em alguns degraus e parecia estar limpando algo metálico que havia em sua mão. Assim que se aproximaram, ele ergueu seu rosto e aquela expressão assustadora tornou-se em uma de clara alegria. ✮

- Pequena princesa. - Ivan falou e levantou-se, sentado o homem já era alto mas de pé parecia uma verdadeira muralha. Seu único olho então caiu sobre Dante. - E este é?

- Eu sou Dante Reed, prazer. - Ele foi capaz de manter o controle sobre sua voz e até mesmo sua tranquilidade, mas precisava admitir que tinha um pouco de medo daquele homem.

Ivan recebeu o beijo de Nymeria com um sorriso em seus olhos e sua enorme mão fez uma leve bagunça nos cabelos dela, não o suficiente para que eles ficassem completamente fora de ordem, mas o suficiente para desarrumá-los. Era algo que ele fazia com ela desde que a mesma era uma criança, algo que começou como uma leve provocação e logo tornou-se um gesto de carinho.

- Amigo? Portanto sinta-se a vontade. Dancer está ansiosa para velha, pequena princesa. - Disse Ivan, dando alguns passos para o lado e permitindo que os dois passassem. O que ele tinha em suas mãos parecia ser uma espécie de peça eletrônica, mas ela estava suja e levemente danificada, logo era difícil dizer de onde ela viera.

- Obrigado. - Dante agradeceu educadamente.

- Estarei aguardando. - Falou Ivan sentando-se novamente assim que os dois passaram e pondo-se a limpar aquela peça novamente.

- Ah, claro. - A resposta de Dante saiu rápida e ele logo começou a seguir Nymeria.

A casa, por dentro, era extremamente simples. Possuía apenas o essencial, não haviam decorações ou quaisquer tipo de móveis desnecessários, era possível notar pelos corredores que haviam muitos quartos no local o que era de se esperar para uma casa que estava sendo usada pelos membros principais e mais alguns. Cada quarto tinha um beliche, com exceção de dois deles, um sendo o quarto do Ivan uma vez que ele era grande demais para conseguir dormir confortavelmente em uma cama pequena e o outro era o de Dancer. Apoiando-se na mesa estava Bóris, certamente o membro mais insano daquele grupo. Os olhos dele fixaram-se em Dante e o acompanharam conforme ele se movimentava, mas o homem logo fez uma profunda reverência para Nymeria.

- Amigo seu? - Quem perguntou isso foi Sergei, um dos membros originais do Inverno Soviético. Ele estava sentado em um sofá parecendo limpar outra peça eletrônica, esta era um pouco maior que a de Ivan. - A Dancer está no quarto dela.

- Restos de computadores. O que conseguimos pegar de alguns outros... - Os olhos dele foram para Dante e voltaram para Nymeria. - Locais que pertenciam a Shadow. A maior parte foi destruída, mas alguns HDS sobreviveram só precisam ser limpos e consertados.

✮ Não era necessário que Sergei explicasse a importância disso para Nymeria, mesmo que tivessem pego uma quantia enorme de informações no computador que se encontrara naquele prédio era de se esperar que todas os dados e arquivos não fossem deixados em um local só. Estes locais invadidos, laboratórios menores e alguns outros locais para onde as vítimas eram levadas antes dos experimentos, foram destruídos pelos próprios membros da organização de Shadow. Em alguns casos, porém, o Inverno Soviético chegou antes que o dano fosse irreversível. ✮

- Eu... Deveria estar escutando isso? - Dante olhou para Nymeria, confuso.

- Se é de confiança, pode escutar. - Sergei deu de ombros. - Não é como se fosse algo muito difícil de deduzir também.

- Você vai ser a primeira a ficar sabendo. - Assegurou-lhe Sergei.

Dante apenas imaginava que tipos de informações estariam dentro daquelas peças e o que poderia ser salvo, também julgava que fosse melhor garantir que essas coisas fossem destruídas completamente antes que alguém tivesse uma ideia ruim. Porém confiava em Nymeria e no grupo dela, não na família como um todo, mas pelo menos naqueles que operavam em Windfall. Julgava que eles seriam capazes de tomar a decisão correta quando fosse necessário.

- É aqui? - Perguntou Dante, assim que pararam na frente da porta.

- Obrigado!

✮ O agradecimento de Dante veio acompanhado de uma leve risada. Não podia dizer que já ouvira aquela comparação antes, mas ainda assim ficara feliz com ela. Supunha que cabelos dourados e olhos azuis fossem uma característica comum em príncipes das histórias infantis, não se lembrava de ter lido alguma delas em toda a sua vida, apesar de ter de fato assistido filmes da Disney. Mas tirando isso, seu físico não era algo que poderia ser comparado ao de um herói de um conto de fadas, normalmente estes eram fortes e musculosos, enquanto Dante era esguio e ligeiro. Possuía força, é claro, mas não tinha muitos músculos para mostrar. ✮

- Prazer em conhecê-la, Dancer! - Dante sorriu para a garotinha, bagunçando suavemente os cabelos dela.

- É claro que tenho tempo!

✮ Dante abriu um sorriso radiante para as duas. Como falara para Nymeria, ele adorava crianças, achava que elas eram extremamente engraçadas e passar tempo com elas normalmente aliviava a sua mente. De certa forma aquilo era previsível, Dante nunca tivera uma infância e o pouco tempo que passara livre havia sido recheado de tumultos, portanto qualquer maneira de ligar-se com a imagem que ele tinha daquele período da vida era válida. ✮

✮ Dante adorara passar aquele dia com Dancer. Em partes porque adorava crianças e rapidamente se dava bem com elas, em outras porque pôde ver um lado diferente de Nymeria. Sabia que ela possuía um coração bom e que era uma pessoa com carinho para dar às pessoas que amava, mas vê-la agir como uma mãe para Dancer, vê-la divertindo-se junto deles fez tudo aquilo valer ainda mais à pena. Mas logo o sol começou a se pôr e ambos tinham um tempo limitado. ✮

- Já vai começar a escurecer. - Comentou Dante, colocando o controle do videogame no chão.