Aposentos do Lennart

Lennart não sentia-se excitado naquela situação, mesmo tendo Nymeria nua e abaixada na sua frente, isso não o excitava. Não por não ser algo provocante, mas por ambos estarem em uma situação onde sexo não era algo que iria acontecer tão cedo assim. Após ter sido lavado, ele abaixou-se e lavou as pernas dela, assim como os pés. Levantando-se, ele abraçou a garota e puxou-a para um abraço apertado e caloroso, segurando-a forte consigo.

- Está tudo bem... - Ele murmurou, beijando a cabeça dela - Você está comigo agora...

Flashback +18:

- Você não deveria fazer aquilo. O erro foi meu - E ele havia errado, muito. Havia deixado Nymeria cometer um enorme pecado, um que poderia ter sido resolvido por ele com um rápido disparo. Mas não, ele preferira deixar as suas emoções tomarem conta de seu julgamento e ambos pagaram por isso.

Ele sentia que tinha errado. Sentia que poderia ter feito melhor. Certamente poderia ter feito melhor, porém não o fizera. Ele nunca fora uma pessoa que reclamava dos erros passados, mas tendo em vista como aquilo havia afetado Nymeria, ele não conseguia se controlar e acabava se culpando pelo o que fizera.

- Eu também te amo - Ele passou a mão no shampoo que trouxera, uma vez que a escola oferecia um genérico e muito vagabundo e passou-o em suas mãos, começando a limpar os cabelos de Nymeria. O rapaz tinha cuidado nas suas ações, massageando a cabeça dela e fazendo questão de não maltratar os cabelos da garota.

Flashback +18:

Após ela fazer o mesmo com ele, e ele sabia que ela iria fazer o mesmo com ele, Lennart beijou-a e desligou o chuveiro, passando uma das toalhas para ela e com a outra secando os cabelos dela. Após estarem devidamente secos, ele beijou a testa dela.

- Vamos voltar pro quarto e dormir. A noite acabou.

Segurando Nymeria próxima de si, ele começou a retornar para o quarto. Por mais que tentasse expurgar aquele sentimento, era algo muito difícil de se fazer. Lennart era uma pessoa muito segura de si, mas quando o assunto envolvia emoções ele se tornava uma enorme massa de incertezas. Não sabia o que fazer naquele situação, apesar de ter sido treinado para lidar com pessoas feridas emocionalmente, ele apenas fizera isso em seu trabalho, nunca estando envolvido diretamente. Mas agora ele estava envolvido, não havia como controlar o que sentia.

A porta do quarto abriu-se e ambos entraram, ainda abraçados. Lennart fechou a porta atrás deles e a trancou, aquele movimento sendo praticamente automático. Ele já havia entrado com Nymeria naquele quarto diversas vezes, sempre trancando a porta atrás deles. Mesmo quando estavam cansados após um longo dia, eles arranjavam um tempo para si. Dancer, quando a mesma entrou na vida deles, não podia ficar na academia, pelo menos não sempre, então ela alternava entre ficar com o Inverno Soviético e com eles.

Flashback +18:

Mas agora, ambos apenas caminharam até a cama. Após Nymeria trocar-se, Lennart tirou sua camiseta e deitou-se ao lado dela. Apesar de normalmente dormir nu, naquela noite ele não via a necessidade disso. Ele cobriu a ambos e puxou Nymeria para um apertado abraço, beijando-a suavemente.

Flashback +18:

- Nymeria, você nunca vai estar sozinha. Eu nunca vou deixar você - Ele beijou o topo da testa dela - Você está segura comigo, meu amor.

Era como se ainda pudesse sentir o cheiro daquele local, a fumaça negra erguendo-se para o céu, o odor dos corpos que estavam empilhados e queimavam, os sons de disparos na distância e aquela familiar sensação de adrenalina percorrendo as suas veias. Era como se nunca tivesse deixado aquele lugar, como se ainda estivesse presente naquela visão infernal cometendo atrocidades em nome do ''bem maior''. Jamais diria que o que fizera fora contra o bem daquele país mas certamente fora desumano. O súbito toque em seu ombro o trouxe de volta para a realidade com um puxão, como um peixe sendo retirado do lago após ter caído pela isca no anzol. Em um pulo ele saltou na direção contrária de Nymeria, a cadeira bateu contra o tapete que havia no chão e o som do impacto foi abafado, mas ainda assim pôde ser ouvido e a movimentação de Lennart foi clara, ele levou sua mão direita para pegar uma arma em sua cintura, arma esta que não se encontrava ali.

- Nym?... - Ele piscou, sua visão focando nela. Ele respirava pesadamente, estava até mesmo suando e seu coração estava tão acelerado que ele parecia prestes a infartar. Passados alguns minutos ele relaxou, trocando aquela posição defensiva por uma mais relaxada. - Desculpe, eu estava sonhando acordado, acho.

- É...

Desviou o seu olhar e suspirou, sabia que não adiantava tentar se esquivar ou fugir do assunto principalmente quando Nymeria estava preocupada. E também... Sentia que não seria justo com ela, não quando estavam tão juntos daquela maneira, quando ela havia partilhado de sua dor com ele, quando confiara a ele palavras que certamente não diria para outras pessoas. Deu alguns passos para trás e caiu sentado na beirada da cama e fez um gesto para que Nymeria se aproximasse e sentasse-se ao seu lado, assim que ela fizesse isso a cabeça do rapaz iria cair no ombro dela e mais um suspiro soaria.

- A... A história é longa. Bem longa. Eu vou tentar resumir mas... Ela ainda vai ser longa. Só, por favor, me prometa. Me prometa que não vai pensar menos de mim depois de ouvir o que eu vou lhe contar.

- Certo... A Guerra Civil Sul-Sudanesa, não vou entrar nos detalhes de porque começou, ela só começou. Isso foi em Dezembro de 2013, mas eu só fui me envolver em Fevereiro de 2014.

Ele inspirou profundamente, batia seu pé rapidamente contra o chão e segurava-se de maneira desesperada contra Nymeria. Aquilo não era fácil, merda aquilo não era fácil. Ele deveria ter menos de 15 anos naquela época, mas já era um dos membros dos Treze Fúrias quando estes ainda eram liderados por outra pessoa, uma pessoa que Lennart preferia esquecer. Foi preciso alguns momentos de silêncio da parte dele onde tudo o que Lennart fez foi olhar para o nada e bater seu pé.

- O governo contratou os Treze Fúrias em segredo para trabalharmos juntos com algumas de suas tropas, usávamos um uniforme especial para que não fosse possível nos reconhecer e deveríamos seguir todas as ordens que viessem de cima. Eu tinha entrado no grupo havia menos de sete meses. Nossas primeiras missões eram simples, combater os rebeldes aqui e ali, em ataques rápidos que nunca deixavam sobreviventes. - Isso, Nymeria notaria, não incomodava Lennart. - As ordens começaram a piorar depois de um tempo, capturávamos inimigos e os entregávamos para serem interrogados, assassinávamos apoiadores importantes da oposição e até mesmo alguns do próprio governo. Tínhamos que usar qualquer método que fosse necessário, desde que as baixas fossem confirmadas. Eu me passei por enviado da ONU, por um agente dos Estados Unidos, por um empregado de uma casa, um ajudante de uma mercearia e de... escravo sexual.

O silêncio de Lennart durou apenas um minuto, mas pareceu levar uma eternidade inteira. Ele sentiu o aperto de Nymeria, sua mão descendo e tocando na dela em busca de conforto e foi só então que ele notou que estava tremendo, não era nada violento era algo bem lento, mas estava ali. Sua mão demorou alguns segundos para finalmente ficar imóvel contra a mão de Nymeria, sua respiração demorou ainda mais para fixar-se. No passado ele tratara aquilo com leveza, todas aquelas situações eram como se não fossem nada além do que era esperado dele, mas era uma máscara. Lennart odiava demonstrar fraqueza, odiava mostrar o que havia dentro dele, portanto fazia o seu melhor para se tornar intocável.

- Depois de um tempo, os Treze Fúrias foram reunidos novamente. Fizemos parte de um esquadrão secreto, nós deveríamos atacar vilarejos ocupados pelo grupo inimigo e aniquilar todos, sem piedade. Porém algumas dessas cidades tinha civis nela, algo que eu só fui descobrir quando já estava em campo. Meu líder na época se chamava Alex e ele estava gostando daquilo um pouco demais. - Lennart lembrava-se dos sorrisos que conseguia enxergar através da máscara que usavam, das risadas que ecoavam para serem seguidas por sons de disparos. - Eu fazia questão de mirar apenas nos soldados inimigos, não queria tomar a vida de um inocente. Mas invariavelmente eu estava em uma situação que eu gostaria de ter evitado. Entrei em uma casa em busca de soldados, encontrei um e o abati e no outro lado da casa... Haviam civis. Três mulheres e quatro crianças, todas abaixadas contra a parede implorando para mim... Eu não sei dizer que língua elas estavam falando, mas eu sei que elas pediam por misericórdia.

Houve mais uma pausa. A tremedeira voltara, desta vez um pouco mais forte. Nymeria poderia notar que os olhos de Lennart estavam focados na parede de seu quarto, um pouco arregalados e perdidos, era como se ele estivesse em um outro local. Conseguia enxergar bem aquela casa acaba, com buracos de bala nas paredes e as mulheres colocando-se na frente das crianças que berravam de medo e escoravam-se contra a parede. O olhar delas era como uma faca na alma de Lennart, havia apenas horror, era como se elas estivessem olhando para um monstro, uma aberração. E, na opinião de Lennart, elas realmente estavam.

- E eu puxei o gatilho. - A voz de Lennart falhou quando ele disse aquilo e as lágrimas começaram a sair de seus olhos. - Eu matei todas. As crianças... Elas eram mais novas que eu Nymeria e elas gritaram quando escutaram o som dos disparos, mas os gritos não duraram muito. Eu vi o sangue delas escorrendo pelo chão, eu fui a última coisa que elas viram antes de morrer. A Casa é um local para proteger os inocentes, as crianças que são vítimas de tragédias... E eu matei aquelas crianças. Eu atirei nelas, porque essas eram as minhas ordens. Matei filhos, filhas e mães. - Mais lágrimas começaram a sair, Lennart fungava e soluçava, mas seus olhos ainda estavam focados na parede. - Mais três missões parecidas, mais sangue de pessoas inocentes na minha mão. Depois dessa última eu... Eu quase coloquei uma bala na minha cabeça quando estava de volta em uma área segura.

† Aquilo sempre fora e sempre seria um problema. Não era nenhuma surpresa que a mente dele tivesse entrado em parafuso, ele agira contra os códigos mais importantes da Casa e nem mesmo tivera como lutar contra isso, tudo porque as ordens deveriam sempre estar acima de quaisquer outras situações. Mas perguntava-se o que teria sido das crianças se não tivessem sido mortas, que tipo de vida estariam levando? Que tipo de pessoas teriam sido? Perguntas que agora ficariam eternamente sem uma resposta. O carinho que sentia vindo de Nymeria era apenas um conforto breve para o que sentia naquele momento, mas céus aquilo era bom. Quando seu rosto foi erguido ele abraçou-a e puxou-a para mais perto de si, enterrando seu rosto no ombro dela logo após receber aqueles beijos. Lágrimas teimavam em sair de seus olhos, sentia-as queimando conforme elas o deixavam e percorriam seu rosto. †

- Eu... - A voz de Lennart sumiu por um minuto, conforme ele tentava controlar o choro. - Eu acabei reportando o que acontecei para o Sigmund. Disse o que Alex tinha feito. Fiquei sabendo que ele vinha falsificando e mentindo nos relatórios que mandava para a Casa... Quando Sigmund me ordenou para que eu o capturasse e voltasse com os Treze Fúrias para Casa eu revelei que... Ele tinha convencido os outros a continuarem ali.

† Aquilo, por si só, era um problema enorme. Lennart era novo na época, mas Nymeria certamente já teria lido a ficha dele e visto o que ele havia feito e no que havia participado, sem falar que o vira em ação por diversas vezes. Se doze dos treze tinham decidido ficar naquela guerra para usufruir da dor e do sofrimento e saciar suas necessidades perversas, isso teria um impacto negativo na Casa e também no modo como seus assassinos seriam vistos uma vez que os melhores haviam simplesmente desobedecido ordens. †

- E também revelei que voltaria para a Casa com doze corpos. - A voz de Lennart ficou um pouco mais forte nesse momento, já não havia vergonha, ressentimento e nem mesmo medo. - Foi... Desconcertante, o modo como meus superiores morreram tão rapidamente. Eu esperava uma luta, que houvesse resistência. A única coisa que vi neles foi surpresa. Acho que não esperavam que eu fosse atacar eles.

- Eu fiz? Eu sigo regras, Nymeria, regras e ordens tem sido as únicas coisas que me mantém com o pé no chão... Mas depois desse dia eu não sei mais o que pensar.

† Era algo difícil de ser colocado em palavras, Lennart se julgava um soldado desde que entrara no programa de assassinos na Casa, sabia que havia abdicado de uma vida melhor e mais tranquila, mas ao mesmo tempo também sabia que havia feito o sacrifício que poucos fariam, ele lutava pelo bem. Mas que tipo de soldado do bem faz as coisas que ele fez? E as regras da Casa? Deveriam ser supremas e ainda assim ele as quebrara. As ordens, céus, as ordens deveriam lhe mostrar o caminho para o bem e ainda assim cada passo que ele dera seguindo-as foi apenas um empurrão para trás no final das contas. Regras não existem para serem quebradas e ordens devem ser seguidas, os limites apenas existem para que fique claro a diferença entre o aceitável e o imperdoável, para que a liberdade não se torne caótica como é por natureza. Entretanto... †

- Eu quero a liberdade. Eu quero ser livre de tudo isso. - Falou por fim. - Eu queria... Eu queria poder viver do meu próprio jeito, sabe? Ficar com você foi uma das poucas decisões que eu tomei por conta própria e... Foi tão bom. Não só pelos dias maravilhosos que eu tenho ao seu lado, mas também por finalmente ter feito algo que eu queria. Me apaixonar por você não estava nas regras e não foi uma ordem. E ainda assim eu fiz isso. Se eu conseguir me libertar eu... Eu não sei o que eu vou fazer. Mas sei o que quero fazer. Eu quero ver as praias, não como eu as vi em missões, mas em uma viagem de férias. Quero poder andar entre a multidão e não me sentir tão sozinho. Eu... Eu quero viver com você. Pra valer, sabe? Quero me casar e tudo. Mas cada um desses desejos vão contra as regras, cada um deles não é uma ordem. Eu sei o que eu quero, mas não sei o que fazer para chegar até lá.

- Não. Mas eu trabalho matando pessoas, suponho que eu não seja uma pessoa apta a questionar isso.

† Ele olhava-a com duvida, não sabia o que o futuro traria e nem mesmo o que poderia fazer com o que estava por vir, assim como era incapaz de lidar com o que sentia e com os problemas que o perseguiam. Mas cada palavra de Nymeria parecia-lhe ser tão doce quanto mel, a mera ideia de que já não pertencia a alguém, que não era mais uma arma ambulante era algo tão belo que o deixava com vontade de sorrir. E ele sorriu, mesmo que fracamente, após aquele curto beijo. Aquilo tudo parecia um sonho distante demais, mas agora encontrava-se disposto a perseguir esse sonho. †

- Eu te amo. - Ele deu um curto beijo nos lábios de Nymeria. - Obrigado.

† Lennart retribuiu aquele abraço com ternura, descansando seu rosto em cima da cabeça de Nymeria. Queria ficar assim para sempre, aproveitando o calor que o invadia, aquela sensação de calma e amor que provinha de Nymeria. Não sabia o que eram, brincara dizendo que eram marido e esposa uma vez que agora tinham até uma filha, mas esse claramente não era o caso. Ah, mas quem se importa?, pensou Lennart, só preciso dela aqui comigo. †

- Eu jamais vou deixar o seu lado. Você é o meu mundo, Nymeria.

- Vamos... Não sei. Eu ia falar do encontro, mas acho que o clima seria ruim. Vamos só ficar aqui.

† Dito isso ele envolveu-a com seus braços e caiu para trás na cama, trazendo-a suavemente junto de si. Apesar de sua mente estar distante, acompanhada por fantasmas, o amor que sentia por Nymeria vencia aquilo tudo facilmente. Alguns argumentariam que aquele relacionamento era novo demais para ser chamado de amor verdadeiro, Lennart argumentaria que eles tinham que ir se foder. A única palavra forte o suficiente para descrever o que ele sentia por Nymeria era amor. †