Estacionamento

- Bom, sua curiosidade logo será saciada. Vamos indo?

Ele sorriu e destrancou o carro, esperando Hanna dar a volta para abrir a porta do lado do motorista e entrar. Era engraçado a história de como ele tirara sua carteira de motorista, na época em que a encontrou em meio aos seus pertences ele não sabia bem quem era e tinha acabado de ser adotado por Sigmund, não lembrava-se também de sequer ter dirigido ou ao menos aprendido. Entretanto tudo lhe veio naturalmente e ele demonstrou ser um bom motorista, um cauteloso também, e foi só quando suas memórias retornaram que ele acabou se tocando de que Sigmund havia criado uma carteira para ele, colocando-a no sistema usando de seus contatos. Fora como o primeiro presente que ele recebera e um que só podia ser usado quando as lições da Casa eram adicionadas nas equações. Pensar nisso o fez sorrir um pouco.

- Apesar dos apesares, acho que você vai gostar dele.

Dante passou o cinto de segurança pelo seu corpo e, ao ouvir as palavras de Hanna, ele preocupou-se. Não havia conhecido ninguém que pudesse ser parecido com o Sigmund, aquele homem andava em suas próprias linhas e ditava as suas regras, quando ele queria que algo fosse alterado ele lutava com todas as forças para fazer isso acontecer, fora assim que conseguira o controle da Casa e era como estava, aos poucos, abaixando a quantidade de assassinos e soldados jovens eram formados até o momento que pudessem parar completamente e servirem apenas como um local para auxiliar crianças necessitadas.

- Acho que só vamos ver isso quando vocês se conhecerem. - Dante piscou os olhos firmemente e ligou o carro, começando a manobrá-lo para fora da vaga, só voltando a falar quando estavam fora do estacionamento. - Ele disse que ia comprar algumas coisas para a gente comer, meu pai é normalmente um exagerado, então espero que ele não tenha comprado muito.

- Muito do tipo que vai ter salgadinhos e docinhos e afins de sobra para amanhã.

Sigmund parecia ser o tipo que gostava de fazer tudo de uma maneira grandiosa, o que era grandioso para ele era algo que apenas o próprio sabia, e sempre parecia querer gastar muito dinheiro com Dante mesmo que o rapaz por vezes achasse isso um exagero. Com Lennart ele também era assim, até onde Dante sabia, Sigmund tinha o costume de dar apenas do bom e do melhor para o assassino que, por sua vez, parecia encontrar um estranho conforto em pertences materiais caros.

- Eu tenho certeza de que ele comprou demais.

- Eu diria que é mais um café da tarde muito exagerado, mas é por aí.

Conhecendo Sigmund ele estaria esquentando os salgadinhos naquele momento, uma vez que Dante havia mandado uma mensagem dizendo que estava esperando Hanna para saírem, a mesa estaria belamente preparada e ele estaria terminando de arrumar alguns toques finais enquanto esperava. A real surpresa era ver que Dante não havia puxado nenhum dos costumes do pai e que normalmente preferia as coisas mais simples, porém Lennart pelo contrário era quase uma cópia de Sigmund nesse sentido, ele gostava de preparar tudo perfeitamente para os outros e Nymeria já deveria estar cansada de notar o quão atencioso aos detalhes ele era.

- É, é pra me agradar sim. Mas hoje é para agradar você que ele está fazendo isso. - Dante abriu um pequeno sorriso. - Ele mal te conhece e gosta bastante de você.

- Se não aproveitarmos ele vai ficar ofendido.

Sigmund detestava quando todas as suas preparações iam pelo ralo, havia contado para Dante que certa vez fizera uma festa de aniversário para Lennart e o mesmo mal ficara na festa, tendo ido dormir mais cedo do que o comum. Sigmund dizia que ele fizera isso de propósito para provocar Sigmund, mas se fossem perguntar para Lennart ele responderia que ele simplesmente estava muito cansado e o barulho todo da festa não estava ajudando. Ele também lembraria que para compensar ele organizou uma festa surpresa para Sigmund. E Sigmund ficaria calado para não revelar que sempre soubera que a festa ia acontecer e que não fora surpresa nenhuma. Os dois poderiam ficar discutindo por horas inteiras.

- Entre as primeiras coisas que ele vai te dizer estará um ''obrigado''. - Dante sorriu e fez uma curva com o carro. - Ah, disso eu tenho certeza. Nunca duvidei que fossem se dar bem.

- E ele vai insistir em te agradecer, melhor aceitar mesmo.

Dante riu. Apesar de tudo, ele sabia que Sigmund o amava. Sabia que havia sido resgatado por conta de Sigmund sentir-se responsável por tudo o que acontecera na Casa antes de ele assumir o controle e também sabia que de começo aquela relação de pai e filho serviria apenas para manter as aparências e deixar a vida de Dante mais fácil, porém eventualmente o homem havia descoberto dentro de si a capacidade de amar Dante e também a vontade de ter um relacionamento real entre eles, não apenas um fingimento. Dante, desde o começo, vira além daquele fingimento e o amara como um filho ama um pai.

- Bom, estamos quase lá. Se mantenha animada!

Fora preciso muita força de vontade da parte de Dante, as memórias que recebera de volta o enojavam e empurravam a sua mente para os piores lugares possíveis, porém com a ajuda das pessoas certas sua mente clareara um pouco e ele pôde ver que apesar de seus crimes passados nunca realmente sumirem ou serem perdoados, as suas ações como uma pessoa nova contavam mais do que as que já havia cometido. Hanna podia até não achar isso, mas ela fora fundamental para a recuperação de Dante, foi pensando nela e em outros amigos que ele conseguira se recuperar.

- Chegamos! - Ele falou, estacionando o carro na frente de uma casa grande. Não era extravagante, mas também não era pequena.

- É meu pai quem cuida dele. Diz que ajuda ele a se acalmar.

Dante abriu o portão e passou para o lado de dentro, trazendo Hanna gentilmente junto de si. A porta da frente abriu-se e revelou um homem de cabelos escuros curtos penteados para trás, havia uma barba bem rala cobrindo o seu rosto e ele estava vestido como um detetive de filmes antigos. Sigmund trazia um sorriso gentil em seu rosto e num geral parecia ser um homem com anos de experiência apesar de não parecer ter mais de trinta e cinco anos, Dante compreendia bem o que havia transformado o olhar dele, ter que lidar com os problemas do submundo faria isso com qualquer um.

- Você deve ser a Hanna, não é? - Ele perguntou como se já não soubesse disso. - É um prazer conhecê-la.

- Hanna, esse é o meu pai, Sigmund. - Dante apresentou-os.

- Obrigado por ter estado ao lado do Dante por todo esse tempo. - Sigmund falou, apertando gentilmente a mão de Hanna.

Dante olhou para Hanna como quem diz ''eu te disse'' e abriu um sorriso logo em seguida, apesar de achar que as vezes seu pai passava dos limites, o rapaz gostava de todo aquele carinho que lhe era oferecido e o retribuía sempre que podia. Sigmund então gesticulou para que eles o seguissem e começou a entrar para dentro de sua casa, com Dante seguindo-o junto de Hanna. O interior era muito bem decorado e estava bem limpo, havia uma clara atenção aos detalhes e um cuidado enorme naquela casa. Eles foram levados até a sala de jantar, onde já havia alguns salgadinhos e alguns doces em cima da mesa.

- Esperem aqui. - O homem então deixou o local, indo diretamente para a cozinha. Provavelmente havia mais alguma coisa preparada.

- E então? - Questionou Dante, puxando duas cadeiras, uma para Hanna e uma para si mesmo.

- Aguarde e confira. - Dante falou, com um sorrisinho em seus lábios.

Como Hanna previra Sigmund retornou com mais algumas bandejas de doces e salgados, então voltou para a cozinha e retornou com pratos, xícaras e copos para todo mundo e repetiu essa viagem mais duas vezes, da primeira ele trouxe uma jarra de suco assim como trouxe café recém feito e na segunda ele retornou com um bolo que era enorme, se todos ali fossem comer ele precisariam comer bastante. A cada viagem de Sigmund o sorriso de Dante aumentava, pensou que seu pai até que estava se contendo daquela vez. Provavelmente não queria assustar Hanna, mas normalmente ele deixaria aquela mesa mais cheia, fora assim que acontecera quando Lennart visitara.

- Tudo pronto. Querem que eu sirva vocês? - Perguntou Sigmund, um sorriso doce percorria os seus lábios finos.

- Então sirvam-se. - Sigmund falou alegremente.

Dante passou sua mão pela jarra de suco e serviu-se, também pegando alguns salgadinhos para comer. Não havia nada ali que não fosse gostoso e que não tivesse sido belamente preparado. Sigmund esperou que os dois estivessem servidos para pegar algo para si próprio, pegando uma fatia do bolo que ele próprio havia feito apenas para garantir-se de que o gosto estava bom. Quanto mais Hanna olhasse, mais ela notaria que parecia estar em um conto de fadas onde os cafés eram preparados sempre de maneiras luxuriosas.

- Dante me falou sobre o festival que fizeram. Deu tudo certo? Eu não estava na cidade no dia, então não pude ir. - Sigmund deu uma mordida no bolo.

- Fico feliz que tenha gostado. - Sigmund riu, servindo-se de um pouco de suco e tomando um gole em seguida.

Era de se esperar que rolasse um momento de silêncio ali, o motivo de Sigmund ter estado fora da cidade se devia justamente por conta do seu trabalho como líder da Casa. No dia do festival ele tivera que sair para ir ver o avanço do seu plano de por um fim na produção de assassinos da Casa, estava funcionando de pouco em pouco, porém estava lento demais para o gosto de Sigmund. Ele tivera que tomar decisões difíceis nos anos em que tomara conta da operação, tivera que enviar muitos jovens brilhantes para enfrentarem situações horríveis apenas para garantir que ninguém suspeitaria da Casa no submundo. O plano em si era simples. Eles iriam desaparecer completamente, como se nunca tivessem existido e operariam invisíveis, dessa vez completamente voltados para ajudar crianças órfãs.

- Acho que tudo vai depender do dia em si, meu emprego me deixa bem ocupado. - Sigmund falou, mordendo mais um pedaço de bolo.

- Meu pai trabalha com órfãos, foi assim que me encontrou na verdade. A empresa está sempre levando ele de um lado do país para o outro. - Explicou Dante, tecnicamente não estava mentindo e a Casa possuía uma empresa de fachada para quando precisava operar em público.