Pela Tristeza Pesar

♙ Chegou na oficina apenas para não encontrar Melissa, naquele dia em particular ele não iria para o Tabuleiro pois pretendia descansar e fora visitar seu irmão. Isso não era algo incomum, tanto ele quanto Melissa tinham afazeres que por vezes os deixavam longe da oficina por algumas horas, mas Maxwell havia desenvolvido uma espécie de sexto sentido desde que começara a vagar pelo Tabuleiro e daquela vez não foi diferente, ele notou que o notebook que usavam ainda estava ligado e decidiu abrir o histórico do navegador apenas para notar que vários minutos atrás Melissa o usara para verificar o mapa da cidade, em específico uma rua e a rota melhor para se chegar até lá e imediatamente reconheceu o que havia naquela rua, Nathanael havia identificado aquele local como uma possível base para os cultistas de Ishmael e estavam até começando a fazer um longo plano para fazer com que o pai deles fosse até esse local para eliminar os cultistas, porém certas coisas acabaram tomando prioridade e eles não fizeram isso. Sentiu um frio percorrer a sua espinha conforme uma estranha risada ecoava nos seus ouvidos, porém afastou aquela sensação, não fazia muito tempo desde que Melissa havia saído, ela provavelmente já deveria estar entrando na mansão, mas não era como se ele não pudesse fazer nada, pegou um capacete e as chaves da moto, descendo correndo as escadas e subindo na Hayabusa de Noah que havia ficado para ele, colocou o capacete e disparou pelas ruas. ♙

♙ Não era louco como Noah ao ponto de correr na velocidade máxima por aquelas ruas, porém certamente era louco o bastante para acelerar mais do que devia e passar costurando por entre carros. Não era o melhor piloto do mundo e poderia acabar se matando daquele jeito, mas a mera ideia de que os cultistas pudessem pegar Melissa era o suficiente para que ele se assustasse o suficiente ao ponto de fazer seus sentidos ficarem mais aguçados e pilotar aquela pesada moto em alta velocidade parecer uma brincadeira de criança. Virando as esquinas tão rapidamente que seus joelhos quase tocavam o chão ele finalmente chegou até a enorme mansão que havia sido construída, haviam vários locais por onde Melissa poderia ter entrado, mas Maxwell não tinha tempo de verificar cada um, portanto estacionou a moto e começou a escalar o grande muro da mansão, fazendo tal coisa com habilidade, caiu para o lado de dentro e rolou pelo chão, ainda usando o seu capacete uma vez que não tinha lugar para deixá-lo. Uma das janelas da frente estava aberta e ele pendurou-se por ela, entrando no que parecia ser uma sala de leitura e mantendo-se abaixado a todo momento. Precisava encontrar ela. ♙

♙ Haviam pessoas ali, o que era simplesmente péssimo. Maxwell conseguiu esgueirar-se um pouco mais pela mansão, para a sua sorte o local era enorme e repleto de cantos por onde poderia se esconder, já possuía experiência em passar despercebido por locais da época em que esteve junto da gangue de Robin portanto não teve muito problema em se locomover por aquele local ainda que estivesse com algumas pessoas ali. Chegou a ver uma ou outra, adultos que conversavam entre si sobre assuntos que Maxwell não queria ouvir, sua atenção estava completamente voltada para a busca de Melissa que, para fora de seu conhecimento, também estava movendo-se, porém para longe dele. Estavam ambos movendo-se em sentidos opostos, porém eventualmente teriam que se encontrar, subir não era uma opção, na frente das escadas haviam pessoas que conversavam entre si, porém para Melissa uma opção logo revelar-se-ia. ♙

♙ Após alguns minutos de movimentação da parte dos dois, aquele sexto sentido do Maxwell disparou novamente e ele moveu-se na direção oposta da qual estava indo, enquanto isso Melissa acabaria por descobrir duas coisas importantes ao ouvir uma conversa distante entre duas pessoas. A primeira era que havia algo de grande valor no porão, usaram uma palavra que ela não conhecia para definir esse algo, vadhur era a palavra e aparentemente era algo diretamente relacionado aos rituais deles. A segunda era que, no momento, o porão estava vazio uma vez que os líderes não estavam ali no momento e apenas os líderes poderiam abrir o porão. Melissa encontraria a chave para o porão em cima de um móvel que estava próximo dela e poderia fazer o seu caminho até o mesmo e seria aí que os dois amantes se reencontrariam. Maxwell teve vontade de gritar de alívio, porém tudo o que fez foi levar o dedo indicador aos lábios para que mantivessem silêncio e olhou para ela. ♙

- Você está maluca? - Sussurrou ele, claramente preocupado. - Vamos embora daqui.

- Quem devia estar falando isso sou eu, esse lugar é perigoso demais. Tem ligação com o Tabuleiro. Vamos voltar para casa.

♙ Ele disse, mas sabia qual seria a resposta que iria receber dela. Melissa viera até ali com um propósito e não iria simplesmente dar as suas costas para aquilo tudo agora que estava ali, ela não ficaria satisfeita até sair dali com ao menos uma prova que fosse para poder ajudá-lo, tudo para ajudá-lo, Maxwell por vezes tinha vontade de amaldiçoar a si mesmo uma vez que aquela situação estava apenas acontecendo por sua culpa, Melissa estava na boca do leão porquê ele trouxera aquela coisa para aquela cidade, se tivesse ficado em Los Angeles teria sido muito melhor. Ou não. Não. Definitivamente não. Teria sido pior, ele e Melissa se completavam de um jeito curioso, era como se o destino nunca tivesse planejado para que os dois estivessem juntos, mas eles acabaram combinando mesmo assim e agora eram inseparáveis, uma linha fina os unira e se tornara um cordão inteiro, indestrutível. Não ter ido para Windfall teria sido sofrer demais, não conhecer aquelas pessoas incríveis que conhecera, era melhor ele afastar essa noção de sua cabeça de uma vez, tinha que focar no presente. ♙

- Okay, mas eu não saio daqui sem você. Vai ter que me aturar junto nessa sua missão ou vai ter que ir embora desse lugar. - Maxwell sussurrou, seu olhar estava sério, ele planejava ficar ao lado de Melissa não importando o que fosse acontecer.

- Teimosa, mil vezes teimosa!

♙ Maxwell fechou sua cara, claramente não gostava nem um pouco daquilo. Imaginava que a sua vida não estava em risco por estar ali uma vez que era uma peça essencial para o plano de Ishmael e seus lacaios, porém não podia garantir a segurança de Melissa e imaginava que ela seria um alvo primário a partir do momento que colocassem os seus olhos nela, na verdade ele até mesmo pensava que deveriam estar formulando algum plano para ferir Melissa e tirar Maxwell do jogo completamente, por isso estava tão desesperado em tirá-la dali uma vez que não queria que sua namorada, e futura esposa segundo seus planos, se tornasse uma vítima daquele culto insano. Tinha até um plano para lidar com eles, mas precisaria de alguns dias de férias do Tabuleiro e precisaria que seu irmão terminasse a sua parte também para que pudessem seguir adiante com aquilo, mas por enquanto só tinham em mãos a ideia não concretizada. Seguiu Melissa de perto até chegarem à porta do porão. ♙

♙ Escadas de pedra levavam para baixo, o que era um alívio uma vez que assim não corria a chance de rangerem como as de madeira e entregarem a posição dos outros que estavam naquela casa. As paredes eram de pedra lisa e o subterrâneo era muito bem iluminado tendo seu próprio gerador de energia em um canto, era uma única sala onde haviam algumas cadeiras colocadas em círculo, um pequeno altar com uma adaga ensanguentada no seu centro o que poderia ser o vadhur que Melissa ouvira falar sobre, porém o mais chamativo era um cadáver de um homem que se encontrava no centro da sala, suas roupas estavam empapadas de sangue uma vez que sua garganta fora aberta, presumidamente pela adaga que se encontrava no altar. Um claro indício de sacrifícios humanos. ♙

- Acho que isso é uma prova e tanto, não? - sussurrou Maxwell.

- Mas eu sou um teimoso do bem.

♙ Não valia a pena continuar discutindo daquela maneira, mas Maxwell decidiu que seria bom tentar aliviar o clima entre eles para que pudessem agir mais tranquilamente durante aquela missão toda. Aprendeu cedo que nunca poderia se levar a sério demais, isso acabava estragando demais a sua própria saúde uma vez que ele não conseguia mais focar em nada além da seriedade da situação com a qual estava lidando, basicamente forçando demais a sua cabeça a confrontar algo da maneira errada, precisava ser mais relaxado e tranquilo para poder seguir em frente, seriedade demais gerava momentos como a surra em Nathan que fora completamente desnecessária e o colocara em uma posição de perigo, ele poderia ter dado uma surra nele em um outro lugar, por exemplo. ♙

- Não sei, é uma evidência e eles podem tentar sumir com ela. Acho que levamos sim, mas tomamos cuidado para não encher ela com as nossas digitais.

- Faz sim. - o rapaz segurou a risada que lhe subiu, sabia que estava sendo um pouco ridículo e que aquela não era a hora certa para brincadeiras, mas era o que fazia quando estava nervoso e sentia que precisava aliviar o clima um pouco. Tudo o que queria naquele momento era dar um jeito de tirar Melissa dali e se isso significava ter que estar ao lado dela enquanto conduzia aquela investigação então era isso que faria. Mas ainda assim os seus instintos lhe diziam que deveria pegar ela e sair correndo daquele local, não era bom que estivessem ali. - Se quiser eu vou...

♙ Ele disse isso, mas ela já tinha ido na frente para pegar aquela adaga. Max olhou um pouco para a sala em que estavam e não pôde impedir aquela sensação estranha de invadir a sua barriga e gelar tudo, era como se ele não devesse estar ali, como se sua presença fosse uma afronta ao que estava sendo cultuado ali. Se estivesse certo, e sabia que estava, havia sentido para essa sensação que estava passando por si naquele momento uma vez que era o culto de Ishmael e ele, como principal força opositora ao demônio, não deveria estar ali o que poderia ser considerado como um crime pelo culto. Não importava muito, ele sabia que eventualmente teria que lidar com esse culto e apesar do seu plano e de Nathanael estar dando sinais de que iria funcionar, eles só saberiam tentando. ♙

- Vamos voltar para as escadas.

♙ Com passos lentos e silenciosos, Maxwell começou a andar novamente na direção da escada e a subiu com calma fazendo questão de analisar todos os cantos quando finalmente chegou na porta. Sabia do caminho pelo qual entrara, mas ouvia vozes vindas daquele lugar então não era uma boa opção irem por lá. Viu então o caminho pelo qual Melissa veio e gesticulou para ela que o seguisse, começando a caminhar na direção do mesmo, aparentemente a casa possuía um jardim na parte de trás e um muro baixo que dava para a rua uma vez que a casa era de esquina, era o tipo de muro que era baixo para eles poderem pular, mas difícil para ser escalado o que significava que Melissa tivera um enorme trabalho para chegar até ali. Como se Maxwell precisasse de mais uma desculpa para sentir orgulho de Melissa. ♙

- Ali! - Gritou alguém e quando Maxwell olhou para trás viu um homem parado, apontando na direção deles, digno do filme Invasores de Corpos.

- Corre! Vai! - Maxwell começou a correr na direção do muro, deixando Melissa ir na frente e pular, mas garantindo-se de estar bem atrás dela para que a mesma não se preocupasse com ele estar ficando para trás. Com um pulo e um rolamento ao pousar na rua, eles estavam livres, só precisavam dar um jeito de fugir dali. Maxwell viera de moto, mas a estacionara um pouco longe. - Por aqui!

- Eu estacionei a moto ali embaixo a umas duas quadras daqui, rápida do jeito que é eles não vão conseguir alcançar a gente. - ele se permitiu rir junto dela, havia algo de estimulante por estarem em perigo, algo que fazia a adrenalina percorrer por todo o seu corpo e dava a vontade de dar risada, mesmo que estivessem em uma situação nada boa.

♙ Começaram a correr na direção que Maxwell apontara, isso o lembrava da vez em que foram sequestrados por Nathan e da forma de como escaparam aquela sala escura carregando Hanna nos braços, não teve essa sensação de euforia na época, apenas o medo e a vontade de saírem logo dali. Claro, seria difícil notar medo em Maxwell, não por ele ser particularmente corajoso, mas por estar sempre vestindo aquela máscara de maluco na tentativa de manter outras pessoas longe de si, algo do qual ele sentia vergonha atualmente, mas no final das contas ele sentia que havia uma similaridade na situação. Notou o quanto gostava de estar junto de Melissa, não apenas nos momentos de namoro ou de calor, mas em todos eles. Desde o café da manhã de rotina onde ambos sentavam-se na mesa e conversavam um pouco sobre as notícias que vinham no celular ou sobre o que teriam que fazer naquele dia até momentos como aquele onde ambos estavam lado a lado fugindo do perigo. Estavam aproximando-se da esquina quando tudo o que Maxwell pôde ver foi um vulto, alguém havia se aproximado sem que ele notassem e movia-se na direção deles. ♙

- Estar preparado pra tudo é necessário para viver a vida. - sorriu alegremente para ela, também olhando-a de maneira apaixonada.

♙ Não haviam palavras para expressar a força com que Maxwell amava Melissa, talvez fosse tarde demais para usar a palavra amor para definir o relacionamento que possuíam, era algo que ia muito mais além disso e era um tipo de existência recheada de perfeição. A união de ambos era tão poderosa que mesmo nos momentos mais difíceis de sua vida ele era capaz de olhar para o lado e ver que Melissa estava ali por ele e ela seria capaz de fazer o mesmo e encontrar o sorriso dele a aguardando, quando pensava sobre como aquilo tudo começara ele era incapaz de notar exatamente quando se apaixonara por Melissa, teria sido quando ela enfiou o pé na porta do seu quarto? Quando se beijaram pela primeira vez, bêbados e sedentos por mais? Após a primeira noite? Quando lembrava-se desses momentos tudo o que tinha em sua mente era amor, paixão, carinho, mesmo que na época ele não tenha pensado muito sobre ele vier a apreciar todos os momentos em que estivera ao lado de Melissa. Lembrava-se da vez em que dormiram juntos, algo estava acontecendo na cidade que mais tarde ele foi descobrir que se tratava de uma operação contra um tal de Shadow, foi uma noite extremamente serena apesar dos problemas que ocorriam na cidade, estar ao lado dela era algo que o tranquilizava tanto que ele não sabia dizer como seria viver sem ela, não sabia dizer como aguentara viver até ali sem a presença de Melissa para aliviar a sua mente e os seus arrependimentos. Sabia que sua vida não seria a mesma sem ela. ♙

- Ah, um conhecido.

♙ Então ele notou a arma e sua mente entrou em parafuso, era um aliado ou não era? Maxwell já tivera armas apontadas contra si antes, mas fora em um período em que tudo o que mais queria era morrer e agora ele tinha tanto pelo o que queria viver, não podia permitir que morresse naquela situação e também não podia permitir que Melissa morresse. Antes que pudesse se mover, antes que pudesse gritar, Melissa saltou na sua frente e o som do disparo foi ouvido o corpo dela sendo empurrado para trás com o impacto da bala em seu corpo que não atravessou-a por alguma espécie de milagre. Ou, na opinião de Maxwell, uma maldição. Ele foi ao chão, incapaz de reagir a tempo e tudo o que conseguiu fazer foi ajeitar-se e colocá-la deitada no chão, pensando que era o melhor método para tentar controlar aquela situação, ele nem mesmo pareceu prestar muita atenção em Hans apenas olhando de maneira desesperada para Melissa e para o ferimento dela. O que fazer? Ele já havia estudado diversos modos de tratamento quando tinha tempo livre, mas agora tudo parecia fugir a sua mente e... Hans moveu-se, fazendo com que Maxwell virasse para encará-lo, o homem apontou a arma para Maxwell e ele iniciou o processo de erguer as mãos e foi tarde demais para Hans a mão esquerda de Maxwell se moveu e girou a arma de modo que a mão de Hans se movesse para a direita enquanto o punho direito de Maxwell colocava-se atrás do punho de Hans travando a mão dele e permitindo que o rapaz o desarmasse, algo que treinara com Nathanael durante meses. O que aconteceu a seguir não durou mais do que alguns segundos, apesar de Maxwell ter matado antes fora em um estado em que ele não se lembrava do que havia acontecido e, tecnicamente, estivera sobre a influência de Ishmael, desde então Maxwell fizera um voto no seu subconsciente de jamais matar novamente e era algo que ele mantivera em si por um bom tempo, até mesmo tentando salvar a vida de Nathan enquanto o clube queimava. Agora ele disparou sem nem mesmo parar para pensar, descarregando o pente da arma em Hans, fazendo com que o mesmo caísse para trás, morto. Largou a arma no chão e ajoelhou-se ao lado de Melissa, retirando sua jaqueta e usando-a para fazer pressão no ferimento. ♙

- Fica comigo, por favor. Mel, não me deixe.

- Não fale, não fale. Eu estou aqui, salve as suas forças.

♙ O que fazer? Ele sozinho não poderia fazer muito, manteve a pressão no ferimento com uma das mãos e com a outra tentou tirar o celular do bolso ainda olhando por cima do ombro para ver se os cultistas se aproximavam, mas o som dos disparos parecia ter afugentado eles. Quando olhou para a tela do celular, viu que ela estava suja do sangue de Mel, rapidamente limpou sua própria mão nas calças e fez o mesmo com a tela do celular, tremulamente digitando 911 na tela. Levou o celular ao ouvido e continuou a tremer, mantendo seu olhar em Melissa para garantir que ela ainda estava ali, as coisas estavam ruins, mas ainda havia esperança para ela, outras pessoas já haviam sobrevivido pior no passado e Melissa era forte, ela certamente era capaz de aguentar aquilo. ♙

- Nine one one, what's your emergency? - disse a voz de uma mulher do outro lado.
Nove um um, qual é a sua emergência?

- Minha namorada levou um tiro, por favor uma ambulância para... Porra. - ele olhou para uma placa que havia ali perto e repassou a informação para a atendente, a mulher insistiu para que ele tentasse se acalmar e continuasse no celular. - Eles já vão chegar amor, eles já vão chegar.

- Eu estou aqui, eu estou aqui.

♙ Maxwell desligou o celular, indo contra as recomendações da mulher e abaixou-se para abraçar Melissa segurando-a contra si. Ele não se importava e só iria notar mais tarde, mas estava manchando a sua camiseta de sangue, como uma mórbida lembrança de que Mel estava em seus braços naquele momento e que não havia nada que ele pudesse fazer para salvar a vida dela, sabia fazer primeiros socorros, mas não tinha os materiais necessários para tal coisa ali, não havia muito que pudesse fazer além e manter aquela pressão contra o local onde Mel fora atingida. Era tão próximo do coração e apesar de sua mão já ter estado ali em diversas ocasiões ele agora sentia o desconforto conforme pressionava contra o lugar, talvez fosse melhor carregá-la para alguma casa próxima para conseguir ajuda? Entretanto o som dos disparos teria assustado os moradores daquela região que certamente não iriam abrir porta alguma para Maxwell e Melissa, ao menos os cultistas não estavam mais vindo e havia essa certa calma de saber que os homens que os perseguiam haviam desistido. ♙

- Meu amor... - ele levou sua outra mão até o rosto dela, deixando pequenos rastros de sangue. - Vai ficar tudo bem.

♙ As pessoas temem o momento em que seus amados e amadas irão morrer, fazem de tudo para se preparar para esse dia. E, mesmo assim, nunca é o suficiente. Porém aquela situação era diferente, poderia ser dito que um pedaço de Maxwell estava morrendo junto, que a sua alma estava acompanhando a dela para o outro mundo deixando para trás uma casca vazia, que a sua vida acabara de ser partida em mil fragmentos. Baboseira poética, do tipo que só serve para embelezar o sofrimento de uma pessoa. Maxwell estava em dor, uma dor que ele jamais desejaria até mesmo para o seu pior inimigo, há mil e uma maneiras de descrever o modo como o coração dele se partira, mas o mais certo era se apoiar nas baboseiras poéticas pois em palavras nuas e cruas é transmitido apenas a indiferença. Ele estava cego. Sua visão de um futuro melhor, de uma longa vida, de toda a arte que desejava produzir, da presença de seus amigos, tudo isso fora embora e deixara para trás apenas a escuridão que agora era permanente em mente. Ele deixou para trás toda a esperança e entrou com passos trêmulos no inferno que um dia abandonara. Já não havia nada que pudesse fazê-lo sorrir novamente. ♙

♙ Ele não gritou. Sua voz não foi ouvida por todas as ruas daquela cidade. Tudo o que ele fez foi soluçar várias e várias vezes, suas lágrimas caindo contra o rosto gelado de Melissa com ele não desgrudando os seus olhos dela por um momento que fosse, derramou entre seus soluços as lágrimas de uma alma destruída, murmurava o nome dela por entre os soluços, a chamava por todos os apelidos doces que um dia criara para ela, acariciava seu rosto e afastava os fios de cabelo da frente dele. O frio que o corpo dela agora transmitia era o mesmo frio transmitido pelo gelo que congelava Satã no nono círculo, e agora tudo o que lhe restava eram perguntas. Por que aquilo fora acontecer? Como ele pudera permitir que algo do tipo acontecesse? Como iria seguir em frente sem ela? Melissa havia se tornado o centro da sua vida, sua motivadora em dias tempestuosos, sua musa que inspirava o seu lápis a desenhar as mais belas formas de arte. Deu por si sentado no banco de trás de uma ambulância, havia um cobertor colocado ao redor de seu corpo, carros de polícia estavam parados e espalhavam-se pelo lugar, fotos eram tiradas do local onde os corpos de Melissa e Hans estiveram, policiais tentaram falar com Maxwell, porém ele apenas continuou a soluçar. Desistindo os policiais se afastaram e começou o processo para levar os corpos para outro lugar e foi aí que a vida pareceu retornar para o corpo de Max, ainda que apenas um pouco, ele se moveu na direção do corpo de Melissa e a acompanhou até a segunda ambulância que deveria levar o corpo dela. ♙

- Você não pode vir junto, eu sinto muito. - disse um dos socorristas enquanto o corpo de Melissa era colocado na ambulância. A expressão de Maxwell foi uma de um animal feroz prestes a atacar sua presa, seus olhos por um momento foram do azul para o amarelo e de volta para o azul, um processo tão rápido que parecera apenas como um brilho. Porém, sua fala saiu fraca.

- Não me deixem longe dela, por favor. - haviam lágrimas em seus olhos novamente e tudo o que o homem fez foi dar alguns passos para o lado para deixar que Maxwell subisse. Ele não sabia para onde iam ir, pro necrotério talvez, mas não importava mais. Ele não podia ficar longe dela. Ela era a sua luz do sol e tomaram isso dele. Ela era... O amor de sua vida. Maxwell lembrou-se do tabuleiro, sentira a presença da Melissa Cognitiva momentos atrás e isso apenas o deixara ainda mais machucado. Ele precisava resolver a situação do tabuleiro, quando encontrasse forças para isso. E depois... Depois iria de encontro à ela.

♙ Estava na casa de Deus, era mais certo conversar com Ele. Ele nem mesmo registrou as poucas palavras que lhe foram oferecidas ou os olhares que lhe foram lançados, Maxwell estava a um passo de se tornar um morto que andava, viera vestido com um terno e calça social, assim como um par de botas que nunca usara em todas a sua vida, estava bem vestido e arrumado para o funeral, ninguém poderia reclamar disso. Porém ele apenas estava ali, ele não se movia, não falava e nem sequer expressava alguma emoção, seus olhos estavam completamente mortos e ele estava em pé próximo do caixão olhando para Melissa, ela odiaria aquilo, provavelmente gostaria de ter sido enterrada com sua jaqueta de couro ou ao menos vestida de uma maneira que não estivesse tão delicada. Mas agora era hora de conversar com Deus. ♙

♙ Eu mereço isso? Sei dos pecados que cometi, sei das vidas que tirei, sei do quão... Patético eu fui durante anos. Mas eu mereço isso? Tudo parecia estar se endireitando, o caminho parecia estar sendo revelado para mim e era um de paz, um de carinho, um de amor, coisas que você tanto adora e faz com que seus seguidores preguem. Então por quê? Por que para mim tudo isso é negado? Não sou o filho perfeito, mas sou um que nunca te abandonou mesmo nos meus momentos mais difíceis. Se você conseguir me dar um motivo, um propósito para ela ter sido tirada de mim então eu me calarei e seguirei o caminho que me é dado, mas o seu silêncio já é resposta o suficiente. Seus planos são vagos e vazios, não há uma alma viva que vá se beneficiar do que você tem para oferecer, se meus pecados são suficientes para que tudo o que eu amo seja tirado de mim, então não há ninguém nesse mundo que possa pisar no seu reino. Seus caminhos misteriosos irão custar a vida de milhares de pessoas só por ter deixado esse monstro vagar pela Terra. Reze. Reze para si e por si. Acho que já sabe que se algum dia me surgir a oportunidade de derrubá-lo, eu o farei. Aqui eu abandono a minha fé, aqui eu abandono minha religião, não pertenço mais ao Céu e não pertenço mais ao Inferno. Eu pertenço ao mundo dos homens e das mulheres para quem você desviou o olhar. ♙

♙ Amenartas estava ali. Tinha que conversar com ela, ainda tinha a adaga que conseguiram naquela mansão... Estivesse um pouco mais irritado ele culparia ela pela morte de Melissa, jogaria a adaga na direção dela por mais perigoso que fosse e a xingaria de mil nomes, mas a culpa não era dela. Era puramente dele, ele deveria ter se colocado na frente do tiro, ele deveria ter levado uma arma junto de si para poder ter atirado antes em Hans. Tantas coisas que poderiam ser feitas de um jeito diferente, tantas coisas que salvariam a vida dela... Subitamente notou que estava sendo abraçado, olhando viu que era Hanna e fracamente a abraçou de volta. ♙

- Eu sinto muito.

Dante pensou mais uma vez naquele dia que não havia nada naquele mundo que pudesse prepará-lo para uma situação como essa. Se dependesse dele, todos seriam imortais e só morreriam quando quisessem, pois não conseguia aceitar a morte de um amigo. A morte ocorria, é claro, isso jamais poderia ser impedido, mas tão cedo assim era uma tragédia enorme e desmedida, como que ele poderia aceitar que Melissa se fora quando dias atrás a vira tão cheia de energia? Vira o sorriso dela e ele estava gravado no fundo da sua mente conforme dirigia na direção da igreja, não teve dificuldade para encontrar um lugar para estacionar visto que vieram poucas pessoas a maioria sendo amigas da família de Melissa. Notou também que a moto de Max estava ali, obviamente estaria ele jamais deixaria de ir no enterro de Melissa, mas não sabia se gostava da ideia de Maxwell estar pilotando algo tão veloz assim. Conhecia a mente de seu amigo e sabia que seus pensamentos só poderiam ser sombrios naquele momento. Adentrou a igreja ao lado de Hanna e logo foi na direção de Maxwell também envolvendo-o em um abraço.

- Pelo o que está se desculpando? Nada disso foi culpa sua. - Dante falou, calmamente olhando para o rosto do amigo.