Oficina Blazes

♙ Não deveriam estar tão longe assim do hotel, mais um pouco e poderiam comer alguma coisa, alugarem um quarto e descansar. Assistir alguma bobagem na televisão e afastar os pensamentos ruins. Queria abraçá-la, mas temia que aquele não era o momento certo para fazer tal gesto de carinho. Veja bem, se ele a abraçasse certamente bateriam o carro. Teria que esperar até o hotel. Não sabia o que acontecera, mas sabia que havia algo de errado. Queria apoiá-la, como ela o apoiara. ♙

- Vou te chamar de anjinho então. - E era claro que ele ia abusar da liberdade que lhe fora entregue, caso contrário não seria Maxwell Watson. Sabia que aquilo tiraria uma reação dela, boa ou ruim ele só poderia saber depois. Virou seu rosto para o lado, fingindo observar a paisagem conforme ela dirigia o carro. Seu rosto inteiro, até suas orelhas, estava vermelho. - Bom, se eu fosse morar com você eu teria que te dar uma mão. Quem sabe deixar um café pronto pra você de manhã, te dar conforto a noite. Não é uma ideia totalmente ruim.

♙ Se seu estado de espírito estivesse levemente melhor, jogaria alguma piadinha ali no meio sobre o que faria com ela durante a noite. Mas bastou dizer que lhe daria conforto. O que era um fato, Maxwell gostava de deixar Melissa bem, fosse com abraços, com algumas palavras ou até mesmo com sexo. Gostava de vê-la relaxada e sorrindo. O completo oposto do que estava agora. Precisavam chegar logo naquele bendito hotel. ♙

- Okay, okay. Em ''inha'' pode né? Fofinha. - Riu suavemente logo em seguida. Gostava de provocar Melissa, havia algo de especial em brincar com o perigo daquela maneira. Bom, das últimas vezes que haviam se provocado, ambos acabaram na cama. E também havia uma troca de provocações em específico no Tabuleiro, mas preferia não pensar nisso agora. Aquele lugar lhe dava calafrios. E a ser flertadora em questão mexia demais com ele. - É esse mesmo.

♙ A aparência era de um hotel de estrada americano, com diversos quartos em dois andares. Havia um estacionamento com apenas alguns carros, no máximo oito. Assim que Melissa estacionassem e eles descessem do carro (com Maxwell sendo potencialmente atingido por ter chamado-a de fofinha), poderiam ir até a recepção. Chegando lá Maxwell pediu um quarto para que pudessem pernoitar e também pagou para que levassem comida lá pra cima. Duas refeições, uma para cada. Deveria bastar. E se ficassem com fome poderiam descer e pedir mais. A mulher da recepção lhe passou a chave do apartamento. 77 era o número, apenas de Maxwell duvidar que houvessem cem quartos ali. ♙

- Vamos subir?

- Pode ser que tenham demolido alguns dos quartos para fazer o estacionamento, sei lá. - Deu de ombros, realmente não importava.

♙ Subiu as escadas com ela, logo achando a porta 77. Bom, ela tinha razão quanto aquilo. Ele não tinha vontade alguma de transar naquele momento. Sentia que o máximo que conseguia fazer ela beijá-la um pouco e nem seria um beijo muito profundo. Estava tão estressado que sentia que logo seu estômago começaria a se revirar. Abriu a porta do quarto, que realmente era o 77, e do lado de dentro viram um quarto simples, com uma cama de casal, uma televisão, uma mesa com quatro cadeiras, um banheiro e uma cozinha. Era pequeno, mas havia o suficiente ali. Haviam toalhas dentro de um pequeno armário no banheiro. ♙

- Só esperar a comida chegar... Ei, Mel? - Ele sentou-se na ponta da cama e então chamou ela.

- Precisamos comer. - Ele também não sentia tanta fome assim. Nunca sentia quando visitava a sua cidade natal, mas sempre se forçava a comer em seguida. Largou-se também, deitando-se ao lado de Melissa. Estava cansado, muito cansado. Fora uma visita curta, como todas as outras, mas era como se aquela cidade drenasse todas as suas forças. Ele virou-se e a abraçou, o que poderia até mesmo parecer como um sinal de que ele desejava começar algo, mas aquele era diferente. Era um abraço repleto de ternura. - Obrigado. Muito obrigado mesmo, por ter vindo comigo. Você... Você é um anjo.

♙ Havia visto a outra versão de Melissa, um pouco mais de perto do que o normal, e sabia como ela se imaginava. Queria mudar isso, queria que ela pudesse se enxergar pela maneira como era. Uma pessoa bruta e violenta? Sem sombra de dúvidas. Mas por trás de todo aquele ódio, havia uma pessoa doce. Maxwell sabia disso, a maioria das pessoas que a conhecia pessoalmente sabiam disso. Melissa Carter era uma pessoa boa e machucava o rapaz saber que ela se imaginava como um demônio. Como uma súcubo, que atraí as pessoas e as queima. ♙

♙ Levou uma de suas mãos até a cabeça dela, começando a afagá-la suavemente. Ela ainda não começara a chorar, porém ele sentia que havia algo de errado ali. Ela estava abraçando-o de um jeito diferente, desesperado até. Ele conseguia sentir a dor que inundava-a por dentro, sabia que alguma coisa devia ter acontecido para ela ficar assim. E então as lágrimas vieram e ele fortaleceu seu abraço também, seu carinho tornando-se ainda mais acolhedor. ♙

- Não, você não é. Você é uma pessoa maravilhosa, Mel. Não existem casos perdidos, você só precisa se permitir mudar. Você... Você precisa se ver pelo o que realmente é. - Apesar do rosto dela estar enterrado em seu peito, Maxwell fez o seu melhor para abaixar a sua cabeça e dar um beijo no topo da cabeça dela. - Me conte, o que aconteceu?

- Você é uma pessoa... Esquentada. E acredite, isso não é um ponto ruim. Porque você também é uma pessoa boa, você é carinhosa com seus amigos, você tem uma alma boa. E você é esforçada. Você foi lá e criou a oficina que tanto queria e ela tem ido bem, é um lugar incrível. Um caso perdido, uma pessoa ruim... Não teriam vindo comigo para cá hoje. - Lágrimas chegavam aos seus olhos, porém ele as segurou. Ele estava certo sobre ela, sabia que estava. Mas chorava pela dor que ela sentia. Chorava, também, as lágrimas que deveriam ter caído perante o túmulo de sua mãe. Mas não podia chorar ainda, não enquanto a apoiava. - Sim, eu lembro sim.

♙ A história sobre a bondosa senhora de idade que adotara Melissa. Pelo o que ele ouvira dessa nova família dela, ela realmente estava melhor sem eles. Imaginava que ela sentia saudades da única pessoa que a adotou e a tratou bem. Mas Melissa não era o tipo de pessoa que chorava por saudades. Ou ao menos ele acreditava que ela não era. Havia algo a mais ali. Alguma coisa ruim havia acontecido. Alguma coisa muito, muito ruim. Apertou ainda mais o seu abraço ao redor dela, dando mais beijos na cabeça de Melissa. ♙

♙ Maxwell ficou em pleno silêncio. Não queria interromper Melissa e queria dar todo o calor e conforto que podia para ela. Sabia que não era uma situação fácil, falar sobre o que te aflige nunca é algo simples de se fazer. E uma parte dele sentia-se honrado de ser quem escutava isso. Quando uma pessoa fala sobre o que a machuca, sobre os problemas que enfrenta ou sobre os fantasmas de seu passado é normalmente um sinal de confiança. Queria poder ajudá-la a melhorar. Queria poder dar para ela todo o carinho que ela merecia. Melissa era uma pessoa boa e uma pessoa determinada que fora atrás de seus sonhos. Ele sentia um enorme orgulho dela. Mas ao final de tudo o que ela falou, ele não conseguiu segurar suas lágrimas e abraçou-a ainda mais forte. ♙

- Ah, Melissa... - Afastou-se um pouco, ao menos para poder olhá-la nos olhos. Depositou um beijo na testa dela. - Eu estou aqui, eu estou aqui.

- Está tudo bem, eu estou aqui. - As mãos de Maxwell, tão acostumadas a percorrer o corpo dela durante as noites agora acariciavam Melissa, uma delas estando em sua cabeça e a outra em seu braço. Não sabia o que dizer. Conhecia a culpa e a dor que ela sentia. O falecimento de sua mãe o afetara da mesma maneira. - A culpa não é sua, não é.

♙ Havia na voz dele certa dor, mas também havia ternura. O que mais poderia dizer para ela que poderia mudar a mente de Melissa? Sabia que uma vez que ela determinara que a culpa fora sua aquele sofrimento iria ser difícil de se remover. Haviam se passado tantos e tantos anos e ele ainda não conseguia parar de se culpar pelo suicídio da mãe. Sempre iria existir os fantasmas que o perseguiam, uma lembrança constante do que aconteceu e do que poderia ter sido. Era, de certa maneira, hipócrita de Maxwell querer que a dor de Melissa passasse quando ele recusava-se a abrir mão de seu próprio sofrimento. Mas havia diferença entre os dois que estavam naquela cama. Maxwell precisava do sofrimento para validar quem ele era, ao contrário de Melissa. ♙

♙ Maxwell manteve-se acariciando Melissa, fazendo o seu melhor para confortá-la. Deixou que chorasse, deixou que o abraçasse. Queria ter as palavras certas para dizer ali, queria poder falar algo que a deixasse melhor. Sabia que Hanna e Dante iriam tê-las, iriam fazer um trabalho melhor para confortar Melissa. Mas naquele momento, ele era o único ali, o único que poderia lhe fazer companhia e acalma-la. Depositou mais alguns beijos na cabeça dela, murmurando que tudo ia ficar bem. ♙

- Sim. Com o tempo ela vai diminuir, diminuir e diminuir até não sobrar mais nada. E aí só lhe restarão as memórias. - Fora assim com ele, foi assim com a sua mãe, foi assim com a perda de Nathanael. Max conhecia bem o que Melissa sentia naquele momento. - Você não precisa ir se acha que não consegue, não acho que ela iria querer você sofrendo. Mas se for querer ir, eu posso ir junto com você.

♙ Ela fora com ele até Heaven's Gate, logo ele estaria disposto a ir com ela até a cidade onde esta senhora morara. Afastou ela um pouco, o suficiente para poder ver o rosto dela e com o nó do seu dedo indicador direito ele começou a limpar as lágrimas dela gentilmente, enquanto havia um sorriso repleto de ternura em seus lábios e essa mesma sensação foi passada para ela quando ele lhe deu um rápido beijo. ♙

- Só quero que você saiba que não está sozinha. Eu estou aqui e não vou a lugar nenhum. - Puxou-a para si novamente, abraçando-a fortemente e acariciando a cabeça dela com gentileza. Murmurou mais para si mesmo do que para ela. - Vou proteger você. Vou proteger todos...

♙ Aquela situação era uma que feria Maxwell por dentro. Não gostava de ver seus amigos chorando e Melissa, que era tão forte, agora chorava. Não que chorar fosse um sinal de fraqueza, mas ela realmente parecia incapaz de chorar. Queria poder afastar tudo aquilo que ela sentia como um passe de mágica, queria que ela voltasse a se sentir bem. Mas as coisas não funcionavam assim. O máximo que podia fazer ali era confortá-la. E então aquela pergunta veio. A ideia de ir para outro cemitério era tão, tão ruim. Não gostava de cemitérios. A sensação da morte que eles tinham sempre lhe fazia mal. Ainda assim, ele olhou para ela e abriu um sorriso. Segurou o rosto dela entre as suas duas mãos e beijou os lábios dela ternamente, um beijo curto. ♙

- É claro que eu vou. Você não precisa estar sozinha.

- Você não precisa me agradecer, anjo. Você sempre esteve ali por mim quando eu precisei, então nada mais justo do que eu retribuir o favor.

♙ Seus dias como um falso demônio já haviam sido deixados para trás, não havia a necessidade de falar que aquilo que fazia era pelo pacto que realizaram. Aquilo era pela amizade que haviam formado. Maxwell valorizava isso acima de tudo. Não precisa mais mentir para si mesmo, dizer que afastava as pessoas de si para proteger elas. Não, ele na verdade só vivia aterrorizado de receber perdão, de ter alguém em sua vida que gostasse dele. Não queria a sensação de perder uma pessoa assim novamente. Alguém bateu na porta e Maxwell, relutantemente, soltou Melissa e foi até a porta. O almoço deles havia chegado, em uma bandeja de metal haviam dois pratos com uma mistura de feijão, arroz, carne, purê de batata e salada. Era mais do que o suficiente. Maxwell colocou a bandeja em cima da pequena mesa e voltou até Melissa, ajudando ela a se erguer. ♙

- Vem, vamos comer. Depois podemos tomar um banho e dormir. Precisamos desse descanso.

♙ Como poderia explicar aquilo? Tinha como explicar? Tivera uma conversa com Dante e Hanna horas antes que o deixara um pouco confuso, mas precisou jogar aquilo no fundo de sua mente, conforme pensava no que falava. Era quase hora da oficina fechar, quase hora de Melissa preparar-se para descansar após um longo dia de trabalho. E no dia seguinte haveria o festival que Hanna planejara também, logo ela certamente tinha algo planejado. E ali estava ele, indo mudar os planos dela. Mas não tinha mais para onde ir. ♙

♙ A porta da oficina estava aberta e por ela Maxwell passou, sua mochila estava em suas costas e trazia consigo algo que parecia uma mala de viagem. Morgana, o gato, cumprimentou-o com um miado conforme se enroscava nas pernas de Max. Ele suspirou e em seguida pigarreou, para buscar a atenção de Melissa onde quer que ela estivesse. ♙

- Mel? Vou precisar de um favor muito grande seu. - Chamou.

- Eeeeh... Desculpa. - Ele disse, ao notar que ela soltara a chave em sua própria cabeça. - Bom, acontece que eu fui expulso.

♙ Ele soltou a sua mala no chão da oficina e coçou sua nuca, dando uma risada sem graça. Ele desviou seus olhos para o lado, ainda lembrando-se da conversa que tivera com o diretor e alguns professores. Voltou seus olhos pra ela novamente, olhando-a de cima a baixo. Não parecia fazer aquilo para provocá-la, mas apenas para checar como ela estava. Abriu um curto sorriso ao constatar que ela estava bem e suspirou. ♙

- Na verdade, oficialmente eu sai da Academia. Mas eu fui expulso. - Ele explicou-se, sua voz soando cansada. - Eu só estava lá por causa de um programa do governo para jovens e talentosos artistas. Mas esse programa é caro de se manter, logo eu precisaria dar ótimos resultados para ser mantido. Mas você sabe que ninguém vai com a minha cara lá então alguém alterou as minhas notas e o programa me deu um pé na bunda. Se eu quisesse continuar lá, teria que pagar, mas não tenho como. Então eu estou na rua e não tenho para onde ir. - Após explicar isso ele coçou sua nuca novamente. - É esse o favor que eu tenho para te pedir. Acha que eu posso ficar aqui por um tempo?