Recanto da Melissa

Demorou, porém Dante foi até a cadeira que lhe fora oferecida e sentou-se, inclinando-se para frente e olhando para o chão, os cabelos loiros caindo para frente e cobrindo parte de seu rosto. Normalmente eles estavam penteados, mas ultimamente ele não tivera forças nem para fazer isso. Ele mordeu seu lábio inferior, estremecendo levemente. Sim, ele tinha que começar pelo começo, mas por onde? Qual era o seu começo? Seria Griffin Walker seu começo ou Dante Reed era seu verdadeiro início? Ele estava sendo atormentado pelos erros de seu passado, porém ainda seriam seus erros? Ele já não era mais Griffin Walker, isso era um fato para qualquer um que tivesse convivido com Dante, mas ao mesmo tempo esquecer-se não era uma desculpa válida para apagar seus crimes. Era como um pecado inocente.

- Eu... fui uma pessoa horrível - Falou Dante, após minutos de silêncio - Eu perdi minhas memórias e elas só retornaram recentemente. Meu nome era Griffin Walker e eu era um humano desprezível. Eu cometi vários erros, eu roubei, manipulei, menti, enganei. Mas nunca matei. Não diretamente pelo menos. Isso era o que os outros faziam por mim. Aproveitei dos sentimentos de outras pessoas apenas para satisfazer meus desejos.

- Você não ia conseguir, eu nunca dava as caras em lugar nenhum e bem... mesmo que eu o fizesse, eu sempre estava protegido, com pelo menos meia dúzia de pessoas armadas - Ele não quis ofender Melissa com aquilo, mas fatos eram fatos. Griffin Walker sempre fora uma pessoa cautelosa, mas uma que se entregava facilmente aos seus desejos carnais e fora isso que o deixara à beira da morte - Bom, eu era líder de uma gangue. Nós estávamos crescendo bastante na época e isso atraiu a atenção de uma outra gangue maior e... eu mandei todos que eu conhecia para a morte. Eu estava junto e todos se sacrificaram para me proteger. Depois, uma das sobreviventes descobriu o que eu andava fazendo e atirou em mim. Eu sobrevivi, mas perdi a memória.

Agora, Melissa notaria, lágrimas escorriam pelo rosto de Dante. Ele sempre acreditara que o passado que perdera era um no qual ele era uma pessoa boa, como era atualmente, por isso sentia tanta falta de suas memórias, por isso sentia tanta dor quando tentava lembrar do passado, pois era algo importante para ele. Porém, ele se descobrira como Griffin Walker, uma pessoa horrível e que certamente merecia estar morta.

- Eu... não sei o que fazer - As mãos de Dante subiram e ele agarrou seus cabelos, aquele garoto estava à beira do colapso - Eu não sou o Griffin. Eu não sou o Griffin. Eu não sou o Griffin!! - A voz dele aumentava a cada vez mais, o garoto estava quase berrando - Mas que culpa é essa que eu sinto? Por que tudo isso dói tanto se não fui eu que fiz?

No momento que a sua cabeça foi atingida pelo travesseiro, Dante ergueu seus olhos lacrimosos para observar Melissa. Ele claramente não estava chorando por causa do que fora jogado contra ele, porém por todo o seu passado e tudo o que fizera. Ele pareceu prestar atenção no que ela falava, parecia estar até mesmo com medo em alguns momentos. À beira de lágrimas, o garoto apenas fungava e ouvia o que a outra tinha para dizer. A aproximação dela fez com que ele se encolhesse, o rapaz estava confuso, estava com medo. Ele estava completamente bagunçado por dentro. Após Melissa terminar de dar seu sermão, Dante lembrou-se das palavras de Max '' Ela tem um jeito único de ajudar as pessoas, acho que é disso que você precisa agora ''.

E Dante riu. Gargalhou na verdade. As lágrimas ainda escorriam pelo seu rosto, aos montes, porém ele ria como se aquilo fosse a coisa mais engraçada que ele já ouvira em toda a sua vida. Era algo tão óbvio, porém ele se recusara a notar isso desde o começo. Precisara ser intimidado e ficar com medo para poder finalmente escutar a voz da razão. Quem ele fora um dia não importava naquele momento, pois agora ele era uma outra pessoa. Uma pessoa certamente melhor. Quando Dante finalmente parou de rir, ele enxugou suas lágrimas e levantou-se da cadeira. Era mais baixo que Melissa, o topo de sua testa alcançando apenas o queixo dela. Pequeno e frágil, era essa a imagem que todos tinham de Dante. E de fato, ele era frágil. Nos dias anteriores, ele estivera quebrado, porém agora Melissa o consertara de sua maneira rude e brusca. E o rapaz abraçou Melissa, sem sombra de dúvidas ela iria reclamar e tentar afastar ele, mas Dante era estranhamente forte para um rapaz de seu porte. Aquele era um abraço do mais puro agradecimento.

- Obrigado - Ele falou, depois de soltar ela. Abriu um sorriso de felicidade tão puro que era como se ele fosse um anjo.

- Okay, okay - Ele riu, enquanto se afastava de Melissa, erguendo suas mãos em um sinal de rendição - Muito obrigado mesmo, Melissa. Você me ajudou bastante.

Dante havia retornado, ao menos um pouco, ao que antes fora. Um rapaz doce e puro, amigável e muito querido. Isso era demonstrado no inocente e radiante sorriso que ele esbanjava, ao invés da expressão preocupada de antes. Maxwell estava perto, um pouco da honestidade bruta de Melissa era tudo o que ele precisara. Seus olhos antes estiveram fechados a verdade, ao óbvio, mas agora ele podia ver. Tudo o que Melissa falara era verdade e ele levaria as palavras dela ao coração.

- Você me ajudou muito mesmo. Você é um amor de pessoa, Melissa.

Dante sorria muito, a ajuda que Melissa lhe dera trazia um alívio para o peso que carregava dentro de seu coração. Ela era uma pessoa tão boa que era difícil acreditar na imagem e na fama que ela possuía. Sabia muito bem que boa parte das histórias eram verdadeiras e que Melissa era uma pessoa violenta. Perguntou-se se poderia mudá-la, da mesma forma que Hanna vinha mudando Max. Bom, ela certamente daria mais trabalho, mas valia a pena tentar.

- Claro, eu vou com você sim!

- Não estou não. Você é um amor!

Dante era uma pessoa que falava do coração, portanto quando falava que achava que Melissa era um amor de pessoa, ele estava sendo completamente sincero. Não havia motivos para mentir sobre aquilo, quem mentia era Griffin Walker. Dante era uma pessoa honesta, sem nada para esconder de ninguém. Dante começou a deixar o quarto junto de Melissa, sorrindo, claramente animado pela ideia de sair correr com ela. Ele usava um calção preto e uma camiseta branca, naquele dia em especial estava bem calor. Ele notou também, as marcas que aquela garota possuía. Primeiro Nymeria e agora ela. O que essas pessoas tinham com mordidas? E precisava ser em todos os lugares? Havia nos pescoços, nos braços e nas pernas da garota, principalmente nas coxas. Porém, ele fingiu não notar tudo isso.

- Eu não vou ficar atrás - Dante disse, de maneira confiante conforme caminhava ao lado dela, sorridente. Melissa, se o analisasse, poderia notar certas coisas. A primeira, era que Dante era bem magro, o garoto não parecia ter um pingo de gordura no corpo. Porém, seus músculos eram desenvolvidos. Dos braços e das pernas. O que não fazia muito sentido, já que Dante não parecia ser o tipo de pessoa que levantava pesos ou fazia outros exercícios musculares.

Realmente, não adiantava discutir com Dante. Quando ele via o bem em uma pessoa, ele fazia questão de deixar isso bem claro, mesmo que a outra pessoa não gostasse ou aceitasse isso. Fora assim com Maxwell, quando Dante falara que ele era uma pessoa boa. O outro rapaz negara até o final, mas Dante sabia que estava certo. Ele era bom em ler pessoas, no final das contas. Uma habilidade que trazia desde quando era Griffin. Apesar de não se orgulhar disso e querer se livrar que qualquer coisa que o associasse a uma pessoa horrível como aquela, não adiantava lutar contra seus instintos e seus conhecimentos. Portanto, ele aceitava aquele lado de si, um lado que analisava e descobria muito sobre as pessoas com apenas uma conversa.

- Vai ser bom, faz tempo que eu não corro.

Dante sorria tranquilamente, apesar de saber que aquilo seria cansativo. O rapaz parecia ter uma energia infindável em alguns momentos. Ele também transmitia uma enorme aura amigável, tornando aquilo menos competitivo do que deveria ser e sim em uma corrida entre amigos, apesar de ambos terem se encontrado minutos atrás.

- Me parece bom!

- É que eu ando muito ocupado - Dante deu uma pequena risada com o comentário dela. Tanto os seus estudos quanto a sua vontade de fazer amigos acabaram distraindo ele dos exercícios que deveria fazer para se manter em forma. Mas isso não pareceu ser um problema para ele.

Dante foi até o campo com Melissa, sorridente. Ele notou olhares e comentários conforme passava por alguns outros alunos, outro costume que vinha de Griffin. A maioria das pessoas estavam incrédulas, não conseguiam acreditar que estavam vendo Dante andar com Melissa, até mesmo conversar com ela de forma amigável. Algumas pareciam estar com inveja de Melissa e um rapaz em específico parecia estar com inveja de Dante. No geral, tudo o que ele fez foi ignorar e continuar andando sorridentemente. Dante fez um lento alongamento, por costume, em tanto seus braços como em suas pernas. Ele chacoalhou-se um pouco e seu corpo começou a gingar-se de uma maneira rítmica, para frente e para trás, aquele garoto tinha tanta energia que não conseguia conter ela.

- Certo!

- Não, sou um dos poucos que estudam Psicologia aqui. Mas é que as vezes eu tenho que ajudar meu pai a ajeitar algumas coisas na casa.

Dante, como ele bem dissera, era um estudante de psicologia apesar de vários ali estarem na Academia Blackwell pela parte artística que era o predominante no local e o que tornara-o tão famoso assim. Mas não era isso que ocupava seu tempo. Seu pai, Sigmund Reed, viajava muito à trabalho, então quando ele voltava ele precisava limpar a casa, assim como se livrar de coisas que não usavam mais, portanto ele chamava Dante para ajudá-lo.

E foi no já, que Dante lançou-se para frente ao mesmo tempo que Melissa. Ele às vezes corria com seu pai ou com os empregados dele, principalmente com o Jack, que era conhecido por ser extremamente rápido dentro da empresa de seu pai. Porém, ele não fazia isso todo dia, como Melissa, e ultimamente ele vinha fazendo isso ainda menos do que antes. Mas era o suficiente para ele não ficar para trás, mas também não bastava para superá-la. Na verdade, ele estava perdendo por alguns centímetros, apesar de não ser uma pessoa competitiva, que desejava ganhar não importando os custos.

- Não é tão ruim, o que os professores não cobrem eu consigo aprender pelos livros - Dante falou, sorrindo calmamente. Os professores não eram dos melhores e algumas partes dos materiais ele tinha que comprar de fora, mas seu pai sempre o ajudava nesse quesito, portanto ele não se preocupava muito com isso - Sim, não mora a mais que cinco minutos de distância.

Seu pai era rico. O que ele fazia, Dante não sabia dizer direito. Sabia que era uma empresa que ajudava os necessitados, mas como faziam isso era algo que Sigmund nunca falava, afirmando que era para poupar Dante dos detalhes tediosos. O rapaz tinha suas suspeitas, mas nenhuma delas era confirmada. No fundo de sua cabeça, algo lhe dizia que ele já sabia o que Sigmund fazia, mas Dante nunca conseguia lembrar-se do que era. Recuperara a maior parte de suas memórias, mas algumas ainda estavam nebulosas.

Dante acompanhava Melissa pela corrida, não demonstrando nenhum sinal de cansaço. Tinha uma boa constituição e energia para dar e vender, portanto não deveria ficar para trás. Mas também não estava ganhando. Fazia tempo que não corria, e o fato de ficar muito parado não lhe ajudava em nada. Apenas quando Melissa pareceu controlar a sua velocidade foi que Dante a ultrapassou, mas ele notou o que ela planejava e controlou-se também, ficando ao lado dela.

- Eu notei isso. O que você quer fazer? - Aquela pergunta não se referia a corrida que iriam fazer naquele momento, mas sim no futuro. Dante batera o olho em Melissa e soubera que ela não pertencia àquele lugar, as artes não pareciam combinar muito com ela e ela não possuía o espírito de um artista. Não que isso fosse algo ruim, mas era apenas algo que se destacava naquela situação - Ah sim, a Nymeria. Conheço ela. É gente boa.

Se Melissa soubesse um pouco sobre quem Dante era, aquilo não deveria vir como uma surpresa. Ele já fora visto várias vezes ao lado de Nymeria Lindberg, e também era um rapaz que tinha amigos em todos os cantos daquela Academia, logo ele ser amiga de Nymeria não era algo tão surreal assim. Era até o esperado, considerando a personalidade do rapaz e o costume que ele tinha de conhecer as pessoas, sempre indo atrás de mais e mais amigos.

Dante chegou perto de ganhar de Melissa, mas a garota tinha o costume de correr e ele não. Portanto, nem toda a energia do mundo lhe ajudou naquele momento. Ele na verdade nem ficou muito atrás, fora uma corrida bem próxima até, porém a falta de experiência de Dante fez com que ele não ganhasse aquela disputa. Não que ele estivesse ali para competir, apenas estava correndo pois gostava de conversar com Melissa.

- Você é bem rápida - Falou Dante, quando finalmente pararam. O rapaz suava e parecia respirar um pouco mais rapidamente, mas não demonstrava sinais de um cansaço maior. Na verdade, estava até bem normal para quem correra uma distância como aquela.

- Me parece uma boa ideia! - Disse Dante, com um sorriso. Ele gostava da ideia de Melissa trabalhar em algo que tirava o estresse dela. Tinha a leve impressão de que ela era uma pessoa estressada, mas não sabia dizer exatamente o porquê disso. Talvez fossem todas aquelas brigas, ou a personalidade dela que era como fogo.

Dante era como o vento, uma brisa suave que vinha na distância e acariciava a quem encontrava, trazendo uma sensação agradável e uma paz inexplicável. Porém, este vento possuía a capacidade de tornar-se uma ventania e a ventania, um furacão. Dante já fora um furacão, no passado, porém agora ele era como uma brisa ambulante, uma pessoa tranquila e amigável.

- Eu... Conheço a Hanna sim. Ela é tipo uma irmã para mim - Disse Dante, sorridente.

Ouvir palavras de afeto deixando a boca de Melissa era uma novidade para Dante, porém ele não demonstrou surpresa. Sabia bem que no fundo Melissa tinha um coração de ouro, porém ela raramente demonstrava isso. Assim como ela o apoiara quando ele precisara, não era uma surpresa que ela tivesse palavras boas para descrever Hanna. Ele sentou-se ao lado dela e suspirou, deixando que sua respiração se normalizasse um pouco.

- Obrigado!

- Amigos da vizinhança? Tipo o Homem-Aranha? - Os olhos de Dante pareceram brilhar por um momento, se havia alguém no mundo que amava super-heróis do fundo de seu coração, este era Dante Reed. Seu favorito, Melissa poderia adivinhar isso pela reação que ele tivera, era o Homem-Aranha - É... algo do tipo.

Dante parecia hesitante em falar que Hanna era sua irmã, na verdade, hesitante num geral ao falar sobre ela. Ele havia impedido que ela o ajudasse, evitado falar com ela até então e isso acabava corroendo-o por dentro. Ainda assim, sempre que acabava por pensar nela, ele acabava ficando mais feliz, lentamente se aquecendo por dentro. Esses dois sentimentos acabavam entrando em combate dentro dele e Dante simplesmente não sabia o que fazer quanto à isso.

- Bom, deve ter algum lugar bom para comer nesse shopping. Algum lugar saudável, espero.