Recanto da Nymeria

- Ótimo.

† Lennart suspirou de alívio, durante aquele tempo inteiro ele não tirara os olhos de Akira e permanecera com a arma apontada para ele, porém sem dar indícios de que iria atirar. Para falar a verdade ele queria abrir fogo logo após ouvir a confirmação de que ambos estavam bem e vivos, aproveitar que ele estava distante e descarregar aquele pente inteiro, gostaria de ver ele defletir os trinta projéteis que seriam disparados, a submetralhadora que utilizava era conhecida por ter uma alta taxa de disparos, tudo o que precisava fazer ela colocar no automático e atirar de uma maneira que fosse impossível ele defletir. Mas também havia uma parte de si que pensava que mesmo que disparasse, nada ia acontecer com ele, aquele rapaz era estranho demais e já havia feito algumas coisas impossíveis antes. E bem... Nymeria havia decidido que duelaria com ele, portanto ele iria respeitar a decisão dela. †

- Quais são as regras desse duelo?

† Lennart considerou que aquele duelo pudesse ir até a morte de um dos dois, se fosse Akira que morresse o problema era dele, porém o guarda-costas não poderia permitir que Nymeria morresse. Falando tanto profissionalmente como pessoalmente, Nymeria era preciosa demais para morrer ali e se precisasse interferir, que assim fosse. Seria como um treinador jogando a toalha em uma disputa de boxe, Lennart iria determinar o fim do duelo e a vitória de Akira se isso fosse necessário para Nymeria viver. Odiava o fato de que estava jogando em suas costas a possível escolha entre Nymeria e os dois que estavam apagados, odiava também que conseguia ver a si mesmo fazendo aquela escolha rapidamente... Nymeria sentiria nojo dele se soubesse disso, porém era um problema que poderia resolver depois que ela ganhasse. Se Akira conseguisse enxergar os olhos de Lennart, poderia notar que ele iria de fato interferir caso Nymeria chegasse muito perto da morte. †

- Certo. O telhado do sótão caiu, lá entra bastante luz natural e deve ser claro o suficiente para a luta. Ou o porão daqui é iluminado? - Questionou Lennart para Akira, uma vez que o yakuza estava ali havia mais tempo.

† Lennart deu de ombros para a pergunta de Akira, ele esperava encontrar sim certas coisas funcionando uma vez que a mansão parecia estar sendo usada e não apenas por ele. Porém nada disse, não adiantava ficar enrolando mais e precisavam resolver aquilo de uma vez para poderem deixar aquele lugar amaldiçoado o mais rápido possível, então acompanhou-o junto de Nymeria até o sótão e assim que chegou no mesmo pensou que aquele seria um dos locais escolhidos pelo Inverno Soviético para invadir a mansão, porém não queria chamá-los ainda, tanto pelo trato feito entre Nymeria e Akira. Lennart encostou-se em um dos cantos do sótão, a batalha entre os dois deveria ser rápida e provavelmente não iria na direção dele e pelo fato de não ter tirado a mão da arma ficava óbvio que ele planejava disparar caso Akira chegasse perto demais dele durante a luta. †

- Preparem-se, então.

† Lennart pegou a arma da mão de Nymeria, provavelmente só a atrapalharia se ela a colocasse no coldre. Ele preferia que ela mantivesse a arma para trapacear caso fosse necessário, mas sabia bem que ela não só detestava essa ideia como não seria algo muito útil contra alguém como Akira, ele provavelmente iria prever que isso iria acontecer e iria adaptar-se de acordo para garantir que ela não conseguisse vencê-lo daquela maneira. Ambos os combatentes só aceitariam uma vitória limpa. †

- Comecem. - Ele deu o sinal, seu coração batendo rapidamente com ansiedade.

† Lennart não era um especialista em armas brancas, como facas ou espadas. Na verdade ele não era um especialista em nada, apesar de ser bom em praticamente tudo. Porém ele sabia o suficiente para reconhecer talento e dedicação quando o via, apesar de já ter visto Nymeria e Akira lutando antes, era a primeira vez que via os dois se enfrentando e era justamente por isso que não estava falando nada, a menor distração poderia significar vitória para o outro e ele não queria acabar por distrair Nymeria por acidente. Mas mantinha o seu plano de fuzilar Akira se aquela situação toda se virasse contra Nymeria de tal maneira que já não haveria esperança, para isso a sua submetralhadora estava pronta, apesar de não estar apontada para ninguém e o dedo dele estar longe do gatilho em sinal de respeito ao duelo. †

† O som de disparos de uma arma sempre lhe traziam memórias da guerra em que tomara parte como uma espécie de treinamento da Casa, explosões produziam um efeito similar, mas nunca aquele som de espadas se chocando. Provavelmente por não ter tido uma luta de espadas na guerra. Não haveria chance para uma, de qualquer modo. As táticas de Lennart eram consideradas sujas e covardes por muitos outros assassinos que encontrara, a grande maioria não dava a chance de reação para os seus alvos através de um longo planejamento ou de uma ação rápida. Lennart removia o controle completamente, não existia uma caçada, não existia planejamento, quando precisava matar um alvo ele ia lá e o fazia, logo quaisquer duelos que tivesse normalmente terminavam em seu favor se seguissem os desejos dele. O duelo contra Akira não fora assim. †

† Lennart reagiu de maneira instintiva, ele não conseguiu enxergar bem o que havia atacado Nymeria, mas sabia que a culpa era de Akira e por conta disso disparou contra ele. Diferente do dia do resgate de Nymeria, ele estava focado e mesmo ouvindo os grunhidos de dor de Nymeria ele forçou-se a manter seus olhos focados em Akira, ele havia previsto que o mesmo não seria capaz de defletir os trinta disparos consecutivos daquela arma, todos executados de maneira que um simples movimento da espada dele não seria o suficiente para afastar todas as balas, porém agora havia um outro fator em jogo que ele não sabia exatamente o que era, mas o assustava um pouco. Assim que a munição da sub-metralhadora acabou, Lennart rapidamente puxou a pistola e disparou contra o telhado acima de Akira, como havia um buraco enorme no mesmo pelo qual entrava um pouco de luz era apenas natural de se esperar que o resto do telhado fosse seguir esse exemplo se fosse forçado. Logo os disparos da pistola visaram uma viga que segurava uma parte do telhado, fazendo-a partir-se tanto por conta dos disparos como por estar velha, e cair junto com um resto de telhado em cima do yakuza. †

† Nesse processo, Lennart correu até Nymeria e puxou-a para trás para afastá-la dos pedaços de madeira que caíam. Se ele havia conseguido proteger-se dos trinta disparos e mais daquilo, seria apenas uma questão de tempo até ele alcançá-los e então teria que lutar no lugar de Nymeria. Não importava, ele tinha algumas medidas de pronto-socorro consigo e rapidamente limpou a ferida de Nymeria, enfaixando-a de maneira apressada apenas para garantir que ela não iria perder mais sangue do que o normal naquela situação. †

- Fique atrás de mim. - Ele falou, colocando-se de pé na frente dela.

- Eu posso te ajudar, se quiser... Estranho. - A presença de Tenebraemachia foi sentida por um momento, enquanto ele tentava chegar até o coração de Lennart. - Não consigo alcançar ele.

† Tenebraemachia, chamado por outros de Ishmael, encontrava-se no subconsciente de Lennart e normalmente isso seria o suficiente para influenciá-lo, porém suas palavras não pareciam alcançá-lo. Tudo o que ele via era um espaço escuro e vazio, com um Lennart nu flutuando com as mãos na frente do coração. Olhou para o lado e recebeu sua resposta, havia um segundo ser ali, sentado como se estivesse encostado contra algo. †

- Ah, não se preocupe comigo. Eu só estou aqui matando tempo, vá em frente e faça o que tiver de fazer... Se é que isso vai funcionar. - Esse outro ser era apenas uma forma humana roxa que falava com muita condescendência em sua voz. - Se eu fosse você eu sumia daqui.

- Quem é você? - Tenebraemachia virou-se, não conseguia compreender bem o que estava na sua frente, se era apenas uma parte da mente daquele humano, ou se era algo maior.

- Fico feliz que perguntou, Tenebraemachia. Chamam-me de Eurus. Por que não tenta oferecer seus serviços para o japonês? Tenho certeza que ele adoraria falar com você. - Eurus riu, fazendo com que o outro recuasse um passo sem saber bem o que o assustava tanto naquele ser. Talvez fosse o fato de que agora tinha certeza de que ele era algo que surgira completamente da psiquê humana. - Some.

† E foi exatamente isso que Tenebraemachia fez, sua presença foi sentida mais uma vez e ele logo se foi, retornando para seus cultistas. †

- Amor, não fale.

† Lennart disse e então avistou aquela sombra, por algum motivo aquilo basicamente fedia à morte para ele e o remetia aos dias de guerra que ocorreram no seu passado, porém antes que pudesse ter um ataque de pânico ou simplesmente reagir e atirar ele sentiu uma sensação estranha em suas costas, como se houvesse a mão de alguém o apoiando. Apenas para ele o vento soprou, vindo do leste, apesar daquela noite estar sem nem um pouco de vento e o mesmo não poder soprar ali daquele jeito, de certa forma isso o acalmou o suficiente para não reagir até Akira colocar-se na sua frente. Guardou sua arma e voltou-se para Nymeria, puxando de seu cinto uma pequena garrafa com um líquido transparente dentro, ele deu a garrafa para que Nymeria pudesse tomar e, assim que ela o fizesse, notaria que aquilo se tratava de vodka. Ele pegou de volta a garrafa e deu uma pequena pílula para Nymeria engolir, pequena o suficiente para não ser algo necessariamente complicado. †

- Num ferimento desse jeito eu normalmente aplicaria morfina, mas conhecendo você não acho que irá querer passar o resto da noite chapada. - Lennart falou, desfazendo um pouco as bandagens que colocara ao redor do ferimento e esperando um tempo, no qual a criatura chegou a falar. - Por favor continue no caminho dela. - Voltou sua atenção para o ferimento, Nymeria deveria estar sentindo-se leve nesse momento, assim como notaria que não sentia muito bem o chão abaixo de si ou a sensação conforme Lennart tocava nela, conforme o mesmo suturava o ferimento até ele ficar bem fechado. As mãos de Lennart eram estáveis, ele movia-se com tanta confiança que era quase como se não notasse a presença ameaçadora atrás dele. E realmente não notava, havia uma reconfortante voz no fundo de sua mente o guiando naquele momento. - Vou ter que ficar de olho nisso aqui por um tempo.

- Sei que não é, mas vou te tratar como uma por enquanto.

† Lennart deu uma leve risada após falar aquilo, focando-se em seu trabalho. Não havia como realmente tratá-la como uma garotinha indefesa e frágil, sabia muito bem o quão forte sua namorada era e o quanto ela aguentava, porém não gostava de vê-la daquela maneira e seus instintos protetores entravam em ação. Mesmo quando não era necessário, Lennart colocava-se na frente do perigo para evitar que Nymeria acabasse sendo ferida, a diferença sendo que daquela vez ele não pudera entrar no caminho uma vez que ela fora atacada por algo sobrenatural. Era um pouco estranho que estivesse tratando aquilo com tanta naturalidade, mas dadas as circunstâncias ele não podia ficar fazendo muitas perguntas. †

- Pronto, isso vai parar o sangramento. Mas ainda vamos precisar que o médico do Inverno Soviético dê uma olhada em você. - Lennart então voltou seus olhos para a coisa que conversava com Akira, a mesma coisa que acabara de se transformar em uma colegial japonesa. - É isso que tem feito por aqui? Caçado essa coisa que esses malucos cultuam?

† Lennart agora podia focar-se na conversa que estavam tendo com a demônio. Era difícil aceitar que ela era real, mas ela estava bem na sua frente, havia ferido Nymeria e agora estava ameaçando-os, apesar de sempre ter sido um descrente em coisas sobrenaturais ele soubera de um grupo dentro da Casa que estudava atividades paranormais no mundo, sempre julgou ser um desperdício de tempo e dinheiro, porém ele claramente estava errado. Não respondeu ao comentário da demônio sobre devorá-los, gostava de pensar que tudo estava sob controle e ela estava apenas fazendo comentários vazios, se não estivesse ele teria que se virar para evitar que ela realmente os atacasse. †

- Acho que ouvi falar disso... Os pesquisadores da Casa chamam de Pontos de Convergência. Locais que emanam esses efeitos, cada local tendo regras mais arbitrárias que os outros sobre o que atraem e quando atraem. Vieram até aqui investigar isso?

- Ele não deixa nenhuma espécie de oportunidade escapar. Até onde sei esses Pontos de Convergência seriam pontos onde há um grande acúmulo de magia, algo que mexe com o subconsciente de certas pessoas as atraindo até esses locais. Nesses Pontos sempre há ocorrências estranhas, como pessoas avistando criaturas mágicas e coisas do tipo.

† Quando era mais novo, Lennart era completamente fascinado pelo paranormal, logo toda pesquisa criada pela casa era devidamente estudada por Lennart que acabou desistindo da ideia com o tempo e conforme as responsabilidades começavam a surgir. Eventualmente o mundo real lhe deu um choque que fora tão grande que ele recusou-se a acreditar que existiam forças mágicas ou coisas que pudessem trazer soluções fáceis para as coisas. Que tipo de força maior permitiria que tamanhas tragédias ocorressem? E se tal força realmente existia, Lennart tinha medo de pensar nela. †

- Me lembrando das pesquisas, sei que tem um monte de coisas assustadoras que poderiam estar ligadas à um portal. Me digam que não é algo que possa botar em perigo todo mundo aqui.

- Entendo, e que efeitos essas fendas tem normalmente? Ou é algo que não sabe dizer? - Lennart não estava muito investido em ajudar a demônio a retornar para o seu próprio mundo, porém era o que podia fazer no momento para garantir que tanto Nymeria como ele ficassem vivos. - A propósito, qual seu nome?

† Saber o nome de outro o básico para qualquer conversa mais longa, mas até ali ele não prestara muita atenção nas conversas de Akira e a demônio para saber se o nome dela havia sido dito, uma vez que estava extremamente focado em tratar o ferimento de Nymeria. Já não acreditava que seriam realmente vítimas da demônio, uma vez que Akira estava mais interessado em conversar do que atacá-los, porém ele também não parecia que ia colocar-se no caminho dela novamente caso a mesma avançasse. Era como olhar para um animal perigoso e saber que era impossível matá-lo. Bastava-se dizer que Lennart odiava essa sensação. †

- Aleatoriamente, é?

† Lennart evitara falar muito sobre a casa de Kuro, ele próprio havia passado por várias situações onde o cenário era assustadoramente similar ao que ela acabara de descrever. Céus escuros, plantas destruídas e o cheiro de queimado espalhando-se, rios de sangue formando-se a partir dos corpos de soldados... Gostaria de não demorar-se muito naquele assunto. Mas sabia que a Casa estudara a aparição dessas fendas, da última vez que lera eles estavam tentando jogar um equipamento de comunicação para o outro lado para ver o que acontecia, porém o que sabia era que, para alcançar esse objetivo, a Casa estivera desenvolvendo um método para detectar as fendas. Se funcionara ou não, ele só saberia ao falar com Sigmund. †

- Nome legal. - Disse Lennart com um tom de voz seco, assim que ela terminou de falar aquele nome impronunciável. - Kuro, é? Prazer, Lennart. Apesar de eu estar adorando a conversa, eu quero fechar um acordo de uma vez. Preciso levar a Nymeria para um médico, imagino que não vá querer duelar com ela assim. Também quero de volta aqueles dois. Nós manteremos nossas bocas fechadas sobre isso e vamos partir, em troca eu passo para vocês o que eu conseguir encontrar sobre essas fendas, com o que eles tinham, talvez até consigam encontrar uma.