Há muito tempo atrás, muito antes da existência dos seres humanos, os insetos com hábitos noturnos evoluíram. Ao invés de resistentes carapaças para que os ajudasse a suportar quando colidissem contra algo, seus sensores passaram a guiar-se pela luz da lua, sendo esta a única que tinham. Assim, eles instintivamente a seguiam com a intenção de voar em linha reta e traçavam seu caminho, mantendo-se longe de perigos, voando alto o suficiente para que a luz os preenchesse.
O convite que fora entregue a Nicolas Gattile definitivamente não especificava hora alguma, mas aquela noite mal tinha começado. Era cedo, horário comercial, onde os bares e os fliperamas abriam suas portas atraindo os adolescentes que saíam de suas cavernas pubescentes para perseguirem as luminâncias neons como se fossem insetos atraídos pela lâmpada. O fato é que o instinto animal nem sempre é a válvula de escape - mas a própria derrota. Hoje em dia, com a luz artificial, os insetos voam até colidir com ela, muitas vezes se matando no processo. O instinto é mais forte que a própria vida. Consequentemente, equipara-se à morte.
Mas há sempre um cujo instinto é domado num processo de evolução simples e pura. Um inseto que não esmaga-se contra o fulgor, mas pousa gentilmente sobre ele e espera; que não deixa que sua sede pelo brilho acabe queimando-o por completo. Um inseto que come as próprias asas, se ele tiver que fazê-lo. No ponto mais alto de Windfall, consequentemente o mais iluminado pela grande lua que se fazia suprema mesmo rodeada de nuvens pesadas e avermelhadas, um homem de longas vestes carmesim se fazia presente. O chapéu sombreiro sobre sua cabeça fornecia-lhe o conforto da escuridão enquanto seu sobretudo brilhava banhado pelo luar. E ele esperava. Com um longo sorriso em seu rosto, ele estava de pé, aparentemente concentrado, por trás das lentes laranjas de seus óculos, na visão da cidade luminosa ao longe lá embaixo.
- É uma bela noite... não acha?- ele parecia falar com alguém. Talvez alguém que estivesse prestes a chegar. Talvez alguém que já estivesse ali.- Do tipo que me faz querer voar alto demais apenas para queimar.
Seu sorriso alargou-se numa risada breve, ao mesmo tempo que o vento esvoaçava seu traje.
Nicolas Gattile Estudante
Mensagens : 43 Data de inscrição : 10/12/2017 Idade : 34 Localização : Na boate mais suja
O palhaço tinha acabado de chegar ali, bufando um pouco por ter subido as escadas correndo. Ele era alto e extremamente magro, e usava um terno risca de giz roxo e um chapéu de abas retas que era incrivelmente similar ao do homem à sua frente. Sua camisa era amarela e o colete verde. No aspecto físico, aquilo parecia algo saído de uma história em quadrinhos. Uma história em quadrinhos bem distorcida e bizarra. Sua pele era branca. Não clara apenas, mas branca. O suor denunciava não se tratar de nenhum tipo de maquiagem. Seus cabelos eram num tom verde limão fortíssimo, que quase reluzia contra o luar. Ele sorria. Um sorriso que se equiparava ao do Red Angel da Darkness, mas com dentes maiores e mais amarelos. Os lábios eram bem vermelhos, e os olhos tinham um brilho verde quase assassino, e definitivamente psicopático.
Nic levantou uma pequena lamparina gradeada e os insetos que se aproximavam da luz hipnotizante eram imediatamente eletrocutados e caiam no chão mortos.
Ele deixou a lamparina de lado e esfregou as mãos, sorrindo.
- Entaaaaaao! Um velhinho bem carismático hoje me entregou um bilhete e eu vim esperando me dar bem - ele piscou, colocando a mão perto da boca como se fosse contar um segredo - Tenho uma coisa com homens mais velhos... Maaaaas!! Eu não conheço você, e é um pouco novinho demais pro meu gosto...
Fazendo uma mesura exagerada, ele tirou o chapéu, estendeu a mão e se apresentou.
- Sou Nicolas Gattile, ao seu dispor.
Beyond Darkness Estudante
Mensagens : 54 Data de inscrição : 26/09/2017 Idade : 44 Localização : Los Angeles | Windfall
O silêncio ali era quase avassalador, apenas o vento e as folhas quebravam-no até então, mas, mesmo diante da voz, o Darkness não se moveu. Sua pergunta não fora para o ar afinal de contas - ele estava, de fato, esperando por uma resposta. Por debaixo dos óculos, seus olhos fecharam-se brevemente, como se para sentir melhor a nova brisa que inundava o penhasco e assanhava os grandes pinus ao redor deles. O homem não parecia ter pressa nenhuma para enxergar a imagem da peculiar figura que prostrava-se alguns metros atrás de si.
- Você acha? Eu quase sinto frio.- ele falou como se, na verdade, o clima fosse o assunto principal de todo o diálogo e eles só tivessem se reunido ali para isso. Sua entonação era rouca, mas não áspera, ela fluía mansamente, porém firme. Ele tinha um tempero de cinismo em cada sílaba, embora isso parecesse ser mais um hábito do quê uma afronta.- Mas eu vejo porquê está quente aí.
Não se sabia exatamente o que ele gostaria de dizer com aquilo, mas foi quando o homem finalmente se virou. Seu sorriso era brilhante, assim como seus olhos, que daquele ângulo sob o luar pareciam apenas duas bolas laranjas e predatórias.
O Darkness soltou um breve riso, parecendo se divertir com o papo do homem de cabelos verdes.
- É a primeira vez que falam isso sobre Michael... e há muito tempo eu não ouço isso sobre mim.- é claro que não ouvia. Beyond tinha quase quarenta anos e, muito embora tivesse poucas linhas faciais, o peso que aquele homem parecia carregar consigo era como se seus anos castigados de vida vivessem estampados sobre seus largos ombros.- Ao meu dispor?
Ele inclinou a cabeça, rindo de maneira anasalada como se tivesse ouvido uma boa piada, os olhos por debaixo dos óculos fitando o torturador sem nem ao menos piscarem.
- Nicolas Gattile, eu sei quem você é. Eu também sei quem é Sibéria Gattile e eu sei sobre a máfia Italiana mais do quê particularmente ela me interessa. Eu sei quem você é... tanto quanto você deve saber quem eu sou. Mas eu não sei de uma coisa e é por isso que eu estou aqui.
Beyond se aproximou. Com passadas lentas, aquele sorriso tão semelhante ao de Nicolas só parecia ficar cada vez maior à medida que ele se aproximava. Ele se pôs frente a frente do outro, sendo apenas alguns centímetros mais alto que este, embora isso pudesse ser muito bem por conta da sola de seus sapatos, os quais cada um jazia com uma caveira prateada na ponta. Seus cabelos eram negros, um pouco abaixo dos ombros, mas suficientemente escondidos pelo sombreiro carmesim. Ele calçava luvas com símbolos quase ocultistas - afinal, Beyond não tinha nem deixava digitais pelo mundo à fora, tampouco existia um documento sequer com nada que fosse relacionado à seu DNA, seu tipo sanguíneo ou seu passado.
Símbolos(um em cada luva):
O Cão dos Darkness inclinou o rosto apenas para que suas íris vermelhas saltassem brevemente de soslaio pelo canto das lentes laranjas.
- Eu estou falando com um cão... ou com comida de cão?
Nicolas Gattile Estudante
Mensagens : 43 Data de inscrição : 10/12/2017 Idade : 34 Localização : Na boate mais suja
- Mas é claro! - reafirmou a disponibilidade. - Tudo por um preço.
Ele espantou um inseto chato que se aproximou demais de sua orelha e logo usou a lamparina eletrificada quase como um nunchaku, balançando-o freneticamente e acertando várias mariposas.
“Bzzt! Bzzt! Bzzt!” Foi o que se ouviu enquanto B falava a respeito da família Gattile, mas quando ele terminou, Nicolas ainda sorria, ainda mais feliz e intrigado por conta da pergunta.
- Definitivamente comida de cão. - a resposta a princípio poderia chocar alguns, mas Nic seguiu em frente:
- Sou a dog food mais pura que você vai encontrar no mercado, Noel. A pergunta de verdade é: Será que eu fui um bom garoto esse ano? Erm... não, pera. - Ele levou um dedo aos lábios e pensou um pouco. A roupa vermelha de Beyond tinha confundido a cabecinha doente de Nicolas. - Não era essa a pergunta. Ah! Lembrei!
Ele se inclinou para frente, o rosto bem próximo do de Beyond, sorriso contra sorriso.
- Será que você pode pagar por toda essa qualidade?
Era conhecido para a maioria que Nicolas não era bem aceito entre os Gattile, por conta obviamente de sua excentricidade, mas entre os que o contratavam, era sabido que ele conseguia fazer até pedras de crack cantarem a Ave Maria.
*Dog food é um termo usado para se referir à droga heroína, que em seu estado cru lembra muito comida de cachorro.
Beyond Darkness Estudante
Mensagens : 54 Data de inscrição : 26/09/2017 Idade : 44 Localização : Los Angeles | Windfall
Os zumbidos atordoados dos mosquitos não fizeram Beyond desconfortável. Ele continuava imutável, como se houvessem poucas coisas no mundo capazes de realmente surpreender aquele homem. No entanto, uma pequena mudança ocorreu em sua expressão, quando ele brevemente soergueu uma sobrancelha diante da resposta de Nicolas e observou, sem sequer piscar, a aproximação exacerbada dele. A princípio, a resposta de B foi um alargamento ainda maior de seus lábios.
- Eu não duvido disso. -pareceu simplesmente ignorar a pequena confusão mental de Nicolas, inclinando brevemente a cabeça.- Foi uma boa resposta... mas comida de cão ainda é comida de cão. Você pode ter uma reputação que te exalta, Gattile, mas no momento está sob a sombra de alguém igualmente bom. Eu não me importo se você é a mais pura, eu não como comida de cão.
Beyond Darkness tinha algo ainda mais além em comum com Nicolas do que o chapéu ou o sorriso. Beyond também era um torturador e particularmente adorava essa parte. As pobres crianças que serviriam de bonecas sexuais que o digam... Como o melhor Cão da família de Los Angeles, não era à toa que haviam imensos preços por sua cabeça que só aumentavam nos quatro cantos do mundo. Seu mistério era apenas parte de sua fama, porque a outra parte ele a construía com as próprias mãos ensaguentadas. Não havia ninguém em sã consciência que desejaria um encontro pessoalmente com o Red Engel, até porque os boatos que corriam era que ninguém sobrevivia a eles. A máfia americana era a mais jovem entre as máfias e, ainda assim, uma das mais potentes, competindo lado a lado contra a Russa. Há apenas oito anos atrás a Darkness havia surgido e disparado mais rápido que nenhuma outra. Sempre tivera a mesma líder e sempre tivera o mesmo cão. É claro que este último os mafiosos temiam um pouco mais. Seus métodos para conseguir respeito e influência sempre foram, diga-se de passagem... os mais "ortodoxos". Entre seus integrantes, ser bondoso era o verdadeiro crime. Eles não eram exatamente conhecidos por lidarem com situações complicadas das maneiras menos sangrentas... Pelo contrário.
- Então eu reformulou a pergunta...- o Midnight Killer, apenas mais um dos apelidos que foram concebidos tanto pelos mais medrosos quanto os mais corajoso para Beyond, fitou Nicolas por mais alguns segundos antes de, lentamente, pinçar a armação de seus óculos laranjas, revelando suas íris escalarte que reluziam ainda mais pelo brilho da lâmpada assassina de insetos.- Você vai me dar um osso bom o suficiente para morder ou eu deveria pegar os seus por mim mesmo.... agora?
Nicolas Gattile Estudante
Mensagens : 43 Data de inscrição : 10/12/2017 Idade : 34 Localização : Na boate mais suja
- Well aren’t you a weird little pup? - ele comentou, sorrindo enquanto casualmente dava a volta na luz do farol, evitando ser pressionado contra a parede por B e seus dez centímetros a mais. Sentando-se na balaustrada, Nic tirou o chapéu, passando os dedos enluvados pelos cabelos verdes. Cruzou as pernas parecendo à vontade.
- Heh-heh... “pegar os seus por mim mesmo”. Hihihi. Você gosta mesmo de trocadilhos com cães.
- Ah, toda essa conversa sobre ossos é por causa daquele recheio cremoso do Tally, não é? Ah, aquele velhinho falastrão me paga. Ou melhor... você pode querer me pagar pelas informações que eu tenho.
Seu sorriso se alargou novamente, e ele balançou as pernas como uma garota de colegial.
- Certo, certo. Seu passarinho já te contou tudo. Mas, puppy, meu trabalho é saber o que ninguém mais sabe, senão seria fácil demais, não acha? Então. O que me diz de um milhão?
Beyond Darkness Estudante
Mensagens : 54 Data de inscrição : 26/09/2017 Idade : 44 Localização : Los Angeles | Windfall
- Ossos do ofício.- justificou B ao comentário de Nicolas sobre ele gostar de trocadilhos com cães. Seu tom foi carismático naquela frase para combinar com a resposta humorada, é claro, embora contraditoriamente ele estivesse prestes a puxar sua Casull 454 de seu sobretudo quando o torturador simplesmente escapuliu, dando a volta no Farol. Tal movimento pareceu atrasar as intenções de Beyond, que acabou dando ouvidos às próximas palavras de Nicolas.- Um milhão por informações... sobre mim mesmo?
Nem mesmo quando estava confuso, Beyond realmente demonstrava isso. Ainda com o sorriso em seu rosto, ele virou o corpo, fitando o outro homem balançar as pernas despreocupadamente sobre o parapeito. Nicolas era quase como uma doninha escorregadia, se esgueirando perfeitamente por entre os dedos de Beyond todas as vezes que o Darkness tentava pôr um final dramático àquela conversação desde que esta havia começado.
- Até onde eu sei, você torturou aquele esterco e arrancou informações sobre mim. O que o torturador italiano quer no meu encalço, bom... presumi o óbvio e imaginei que algum homem sensato e sedento pela minha cabeça já havia pago você. Mas você consegue informações sobre acordos da Darkness, chama minha atenção, vem até aqui e, sem nenhuma chantagem sob as mangas, me propõe que simplesmente te pague por torturar um homem meu...
Um riso anasalado escapou de seus lábios. E em seguida outro. Beyond gargalhou, uma risada penetrante de tão sincera, pondo uma das mãos na barriga e outra no peito. Ele levou alguns segundos para se recompor, suspirando. Naquele momento, B pareceu ter percebido algo - ou se certificado do que o cabelo verde, a pele branca e a maquiagem no rosto de fato se tratavam:
- Você é louco, Gattile. E é por isso que não vai morrer hoje.- ele disse, se aproximando da balaustrada e apoiando o peito sobre esta, logo ao lado de Nicolas. Observava a paisagem ao redor penhasco e as luzes da cidade, mas sua voz soou para o homem ao seu lado:- Me diga o que ninguém mais sabe... e terá seu pagamento.
Nicolas Gattile Estudante
Mensagens : 43 Data de inscrição : 10/12/2017 Idade : 34 Localização : Na boate mais suja
- Você é um cara interessante, Mr. B, mas as perguntas que fiz a Tally envolvem não só você, mas alguém que faz negócios com a Darkness.
Ele cruzou as pernas em posição de lótus, parecendo ignorar a altura do farol.
- No. I am not.* - o sorriso vacilou quase imperceptivelmente quando ele foi chamado de “louco”, mas ele ergueu um dedo, de forma quase didática - Sou só um palhaço. E é por isso que não vou morrer hoje.
Se movendo um pouco, ele deixou o rosto mais próximo do de B.
- Era uma vez um verme que achava que podia enganar um palhaço. O nome desse verme era Giacomo Montana.
B reconheceria o nome imediatamente. Um aliado recente da Darkness, um sujeito com lábia e carisma. Um gentleman. Perfeito demais pra ser verdade. Ele havia conseguido algumas alianças ultimamente, e agia independentemente da Família Gattile, a maior dentre as famílias da máfia italiana. Ainda assim, não parecia ser contra eles, não parecia ser contra ninguém. Uma carta branca, no meio de um jogo violentíssimo de Blackjack, onde ou sua soma é 21 ou você morre. Nada de meios termos. Nada de Coringas.
Nicolas passou as informações pertinentes a B, mostrando que realmente podia falar sério de vez em quando. Com alguma volta aqui e ali, demonstrou perícia e altíssima inteligência ao conectar os fatos após os expor. Era quase certo que Montana estava planejando algo, e algo que não seria bom para ninguém além dele.
- Então, puppy? Nesse mato tem cachorro?
*Nic usa a ambiguidade de “I am not” (que pode significar “Eu não sou” ou “Eu não estou”) para mais uma vez de esquivado de uma resposta direta. Pertinente, uma vez que o idioma usado é o Inglês)
Beyond Darkness Estudante
Mensagens : 54 Data de inscrição : 26/09/2017 Idade : 44 Localização : Los Angeles | Windfall
Beyond pareceu obter uma espécie estranha de satisfação interna ao ser corrigido, tanto que, embora nunca parasse de sorrir, seu sorriso se alargou como se formasse um novo. Aquela fenda cheia de dentes pontiagudos que enfeitava seu rosto podia causar muitas sensações ao mesmo tempo, embora todas com um toque especialmente ameaçador, mas naquela vez em especial o sorriso de B parecia quase... lascivo.
- Pois bem, Gattile. Sabe, eu costumava ter medo de palhaços quando era mais jovem... eles sempre pareciam meio loucos com aquele sorriso eternamente... até que me disseram que, quando eles tiravam a maquiagem, eles paravam de sorrir. Então eu não tive mais medo.- Beyond disse. Podia não parecer, na verdade, era sim uma informação muito simples e vaga, mas para um homem em que o passado foi totalmente apagado, uma existência cuja parece existir no centro de uma incógnita que o repartia tanto antes quanto depois, haviam mafiosos que dariam muito dinheiro para saber o mínimo que fosse sobre os "quando eu era mais jovem" de Beyond. Só havia uma pessoa para quem o Darkness costumava comentar, mesmo que vagamente, aquele tipo de coisa até então e esta era Nymeria Lindberg. Se Nicolas já estava nesse nível na relação, talvez B realmente tivesse gostado dele. Mas era cedo para falar: afinal de contas, Beyond Darkness era conhecido por ser bem tagarela.- Você pára de sorrir, clown?
Ele focou-se, no entanto, ao ouvir o nome Montana. Sim, Beyond reconhecia mais o sobrenome do que o nome em si, afinal Giacomo não era o único Montana que lhe vinha à mente. Conhecia um rapaz, um novato na máfia, fugitivo do regime de Cuba e que parecia se mostrar peculiarmente promissor no ramo... Não deixou que seus pensamentos flutuassem. Ele os domou, mantendo-os calmamente sobre a luz das palavras do torturador. Beyond nunca foi com a cara do tal Giacomo. Indivíduos perfeitos demais eram erroneamente moldados e, portanto, feitos para serem quebrados, assim pensava B. E também pensava que eles já eram suficientemente quebrados por dentro de suas carapaças. Ele nunca foi atrás de saber a fundo sobre o tal Giacomo pois, além do homem fornecer acordos particularmente ótimos para a Darkness, Beyond não interagia diretamente com negociadores, afinal de contas... ele era apenas um cão. Quando interagia, bem... não era exatamente para fazer negócios. Alessa Darkness não deveria ter tido motivos para suspeitar de tal homem ou simplesmente suas propostas eram boas demais para recusar. De qualquer forma, Beyond estava apenas farejando seus rastros à medida que Nicolas os expunha, interligando um a um.
- Então temos mais um idiota engomadinho pronto para encher os bolsos internos do paletó com dinheiro roubado... e ele pretende mesmo tentar levar ambas as famílias para o seu buraco?- imaginar aquilo pareceu-lhe divertido. Ou simplesmente estúpido demais.- Sim, palhaço. Nesse mato está o meu osso.
O cão dos Darkness virou o rosto, encarando um Nicolas tão perto de si que ele quase podia sentir o cheiro quase químico de sua pele branca.
- Se no nosso baralho ele se misturou como um pretenso carta branca e você espera que eu jogue com seu curinga... are you inside the game?- ele inclinou a cabeça, suas íris carmesim mais uma vez escapulindo pelo canto da lente e então exemplificou sua pergunta.- Devo presumir que está propondo uma parceria ou você só veio vender a informação?
Nicolas Gattile Estudante
Mensagens : 43 Data de inscrição : 10/12/2017 Idade : 34 Localização : Na boate mais suja
Começou simples, baixo. Como se tivesse escutado uma piada boa demais, o riso cresceu. E cresceu até explodir numa gargalhada descontrolada que durou bons segundos. Nicolas se inclinou para trás, segurando a barriga, bem no limiar da balaustrada. A risada ecoou pelo abismo, e o seu dono balançava perigosamente na beirada, prestes a cair a qualquer momento.
Nicolas Gattile era uma aberração. Um monstro, um auto denominado palhaço. Era o que todos diziam, até mesmo os membros de sua família. Ninguém gostava dele, porque ele era “instável”. Beyond trabalhava para a Darkness há muitos anos, e apesar de extremamente independente não era tão... caótico.
Instável. Caótico. Insubordinado.
A Gattile ficava com ele porque apenas a visão de um homem daquele era o suficiente para fazer muitos traidores desistirem antes mesmo de tentar qualquer coisa, com medo das consequências. E, haviam sussurros por aí de que eles também não queriam abrir mão do Palhaço porque não sabiam qual seria sua reação. Eles tinham medo do que poderia acontecer.
De todos os homens da família, apenas o Patriarca conseguia de certa forma exercer algum tipo de influência sobre Nic. Essa influência vinha através de socos e pontapés, que tornavam a pele branca roxa e depois de um tempo esverdeada. Ótima escolha da paleta de cores, eh? Fora ele, Sibéria era a única que podia dizer que possuía algum tipo de relacionamento fraterno-afetivo com o irmão, dessa vez com agressões verbais mais presentear que as fisicas, embora essas últimas também aconteciam periodicamente. Ao lado deles, na mesa de negócios, sempre que estava presente, Nicolas era confundido com o Chefe, e o Patriarca era apenas um velho sentado ao seu lado numa cadeira maior e melhor. Mesmo diminuído pela família, havia algo inegavelmente grandioso dentro dele. Just waiting to pop.
Nicolas levou as mãos enluvadas ao rosto, as mangas do paletó descendo levemente e mostrando os antebraços tatuados de Gattile. Ele esfregou o rosto vigorosamente, a poucos centímetros do rosto de B, arrastando e arranhando a pele para provar um ponto. Afinal parou, e onde muitos esperavam ver a verdadeira face do palhaço, a luz da lua iluminou a mesma face, ainda branca, a boca ainda vermelha e o sorriso sempre presente. Seus dedos passaram pelos cabelos e seus olhos estavam arregalados.
- Eu não uso maquiagem, puppy. E fui eu quem comecei a piada*, quem tem que rir é você.
Depois de contar o que sabia, ele sorriu ao ouvir mais um trocadilho com ossos e cães. Ele sorriu com a ultima parte. Uma parceria? Olha só ele, agindo por baixo dos panos. A verdade era que ele pouco importava que Montana estivesse interessado em roubar o dinheiro das famílias da máfia. Se ficasse em um quarto com todo o dinheiro deles, um galão de gasolina e um isqueiro, haveria um belíssimo show pirotécnico pra assistir. Mas aquele ridículo do Giovanni estava claramente enganando Sibéria, e a burra, débil mental, cérebro de noz, havia caído como um patinho. Às vezes ele só queria dar um soco bem dado na irmã. Giovanni e Giacomo evitavam contato quando Giacomo vinha até o Patriarca com mais um negócio exclusivo, o que era muito estranho, visto a natureza odiosamente simpática dos dois. Isso também foi algo que fez Nicolas sentir uma coceira quando via os dois juntos, interagindo apenas por educação. E o Patriarca era só sorrisos para aqueles vermes.
“Se afinal eles não forem pai e filho eu corto a língua fora. A língua dos traidores, claro. Não há motivo para se mutilar pelos erros dos outros.” Ele pensou e sorriu mais largamente. Provavelmente faria isso mesmo se estivesse errado.
- Viu só? Valeu a pena o milhão, não valeu? E deixar toda a diversão para você? Nunca, pup.
Ele cruzou as pernas em lótus outra vez, e assumiu uma posição meditativa, com olhos fechados e o sorriso maldoso no rosto.
- A única coisa é como vamos nos livrar desses sanguessugas. Não sei você, mas eu preciso de provas. Meu velho não daria muitas risadas se eu apenas matasse um dos seus maiores investidores.
*Referência a uma das musicas favoritas de Nic, “I Started a Joke” dos Bee Gees.
Beyond Darkness Estudante
Mensagens : 54 Data de inscrição : 26/09/2017 Idade : 44 Localização : Los Angeles | Windfall
Não havia ninguém que pudesse domar Beyond Darkness. Pelo menos, ninguém que o mundo conhecesse a existência. Ele próprio parecia exercer uma influência muito maior sobre sua chefe do que ela mesma exercia sobre ele. O homem era tão importante dentro da Darkness assim como o era fora dela e, embora ele esclarecesse que seus objetivos fossem estritamente pelo bem da família, ele nunca deixou de agir sozinho, por debaixo ou por cima dos panos. Haviam rumores de que ele próprio havia montado a organização da máfia de Los Angeles, desde seu início, há oito anos atrás, mas Beyond nunca foi do tipo que gostava de ficar detrás de uma mesa, numa cadeira maior e melhor passando o dia recolhendo papeladas como se tapasse frestas de vento para que elas não afetassem seu castelo de cartas. Na verdade, ele sempre gostara do campo de batalha e toda a Darkness via a aberração que era Beyond como um verdadeiro trunfo; o maior e o melhor eles poderiam ter. Além do mais, a Darkness não era lá um castelo de cartas... Ela era muito mais sólida que isso. Era impossível imaginar como ela funcionaria se Beyond um dia se fosse para sempre. Mas ela funcionaria. Porque ele mesmo garantira isso. Beyond podia não parecer tão caótico. Mas uma bomba não é menos ameaçadora só porque não foi ativada. O caos que não estava em Beyond, estava nas pessoas ao seu redor quando ele surgia.
- Eu não achei que usava.- ele, que observara calmamente o ataque de risos de Nicolas Gattile sem desfazer o seu próprio sorriso, disse, logo em seguida aproximando mais ainda o rosto do torturador para que B apenas precisasse sussurrar para que fosse ouvido:- Eu também não uso.
E aquele sorriso pontiagudo também nunca parecia deixar sua face.
- Then make me. - ele disse quando Nicolas revelou quem deveria rir.
Beyond se afastou novamente, estalando os dedos de maneira breve, mas o barulho foi suficiente para cortar o clima difícil de descrever que havia se interposto entre ambos graças ao comentário dele próprio. O Cão dos Darkness não podia dizer que realmente se importava mais do que Gattile sobre tal situação envolvendo Giacomo. Ele não enxergava uma ameaça em potencial nele ou no tal Giovani. Provavelmente - e isso era realmente provável - Beyond só estivesse entrando naquela para saber mais sobre o próprio Nicolas Gattile. O comentário seguinte o fez virar-se, apoiando as costas no balaustrado e os cotovelos no parapeito.
- Oh, such a daddy's boy. - ele comentou, sarcasticamente, a respeito de Nicolas quando este mencionou "seu velho".- Que provas melhores do que a suspeita de um palhaço? Ou melhor... que prova melhor que uma parceria entre um Gattile e um Darkness? Vamos, Nicolas, você veio até aqui, conseguiu um milhão e o meu interesse, ele deve perceber que algo sério deve ser. Eu não costumo pedir permissão para matar. E não vou pedir. Mas eu posso avisar, afinal, não queremos que a Gattile crie ressentimentos para com a Darkness depois que você e eu degolarmos Giacomo.- ele ergueu o rosto, estralando os ombros no processo e visualizando a lua quase incandescente que se prostrava logo acima da cabeça deles.- Você mesmo poderia simplesmente dizer isso a ele... porém, se o trunfo do palhaço de não ser levado a sério é também sua maldição... quer que eu fale com o seu papai?- seu sorriso se alargou novamente enquanto ele esperava por uma resposta. Era impossível dizer se Beyond ainda tentava arrancar um comentário direto de Nicolas... ou se estava se divertindo com suas escapadas.
Nicolas Gattile Estudante
Mensagens : 43 Data de inscrição : 10/12/2017 Idade : 34 Localização : Na boate mais suja
Nicolas adorava insinuações, especialmente se fossem tão ambíguas quanto suas escapadas espirituosas. Com o rosto do outro bem próximo, ele pareceu levemente tentado a... alguma coisa... tombando o rosto levemente para o lado, ele voltou a rir, num tom mais grave:
- Hehehe hahahaha... They did warn me you had a long dick. Hahahahaha... - ele desfez a lótus e habilmente apoiou o peso nos braços, de ponta cabeça e estralou múltiplos ossos. Quando saiu da posição, estava de pé no parapeito, se equilibrando como um artista de circo.
Aquilo havia sido bem divertido. Ele estralou o pescoço ao ouvir o apelidinho.
Pequenos flashes de memória vinham à sua mente enquanto olhava para o penhasco e o mar lá embaixo.
“VOCÊ NÃO É MEU DONO!” Um Nicolas sem camisa e de joelhos gritava para o Patriarca. “EU SOU SEU DONO!” O velho lhe deu um soco no olho, e o sangue jorrou de seu supercílio, manchando o anel que o Patriarca usava no dedo mínimo. “DE VOCÊ E DAQUELE POÇO DE DEMÊNCIA QUE VOCÊ CHAMA DE MÃE!” Ele respirava pesadamente, uma expressão de asco no rosto. “Você e aquela puta não merecem NADA! Não são NINGUÉM! Bando de palhaços! Sua sorte é que você tem meu sangue, ou eu te deixaria pra apodrecer em Midwich* junto com a cadela que te pariu.” “Queria que você tivesse brochado no dia que comeu a minha mãe, como sempre acontece, não é papai? JÁ TOMOU DUAS PÍLULAS AZUIS HOJE, VELHINHO? NÃO VAI CONSEGUIR COMER TODAS ESSAS PUTAS QUE CONTRATA! É TUDO SOBRE OS NÚMEROS NÃO É? AHAHAHAHAHAHAH!” Um dos grandalhões limpava o sangue da mão e do anel dele, mas ele arrancou a mão do lenço e mais uma vez deu um cruzado bem dado, que fez ele ir ao chão novamente. “POIS VOCÊ SABE O QUE EU QUERIA? QUE VOCÊ TIVESSE MORRIDO QUANDO TEVE A CHANCE.” pegou o rapaz pelo pescoço e começou a esganá-lo. “POR QUE? POR QUE VOCÊ NÃO MORREU QUANDO CAIU NAQUELA MERDA DE TANQUE QUÍMICO??” Ele continuou a esganar o rapaz, até que soltou, fazendo a cabeça dele bater no chão de concreto. “Deixem ele mais uma semana aí dentro!” O homem se afastou enquanto os dois grandalhões iam na direção de Nicolas, que matou um deles enquanto mais seguranças entravam para contê-lo e trancá-lo numa Dama de Ferro, o caixao com forma humana e espinhos por toda a parte de dentro. “VOLTE AQUI PAPAI! POR FAVOR! EU VOU SER UM BOM MENINO!! HAHAHAHAHA!” Nicolas conseguiu matar mais deles, mas afinal o contiveram. Ele gritava e ria enlouquecidamente até que a tampa do caixao foi fechada.
Nicolas voltou a si. O sorriso havia sumido, mas ele estava de costas para Beyond.
- Sim... - ele disse, e já estava sorrindo quando se virou. - Eu sou um cara de família! Hehehehe.
Deu um salto mortal para voltar ao chão do farol, e se levantou.
- Ooooh, nos não vamos matá-lo. Nos só vamos machucá-lo. Muito, muito mesmo. - Ele sorriu. - Se quiser ficar com o que sobrar, fique à vontade. É o Giovanni que eu quero.
Ele ouviu as provocações seguintes mais tranquilamente, mas toda a admiração que Beyond inspirou nele por conta dos 0 fodas que ele parecia dar a tudo se mesclaram a um sentimento lindo e puro. Ódio. Os olhos verdes brilhantes de Nicolas deslizaram de B para a lamparina, que continuava a matar os insetos mais incautos. Será que ele conseguiria quebrá-lo no rosto de Beyond antes que ele sacasse suas armas?
Ele ergueu uma mão como se fosse pegar a lamparina para executar aquela ideia deliciosa, mas afinal desviou e apenas levou um dedo aos lábios.
- Shhh... É nosso segredinho sujo. Se descobrem que o palhaço é esperto, ele não vai mais ter graça! Palhaços são burros, não acha? Definitivamente têm macaquinhos no sótão. Cães, por outro lado, são bem espetinhos. Não escondem esqueletos no armário**. Cavam um buraco bem fundo e jogam tudo lá em baixo.
*Midwich é o nome do asylum onde a mãe do Nicolas está presa, inspirado na escola de Silent Hill pq eu te amo **Referência à expressão “skeletons in the closet”, usadas quando a pessoa tem muito a esconder
Beyond Darkness Estudante
Mensagens : 54 Data de inscrição : 26/09/2017 Idade : 44 Localização : Los Angeles | Windfall
Diante das palavras de Nicolas, B apenas encarou-o longamente enquanto o homem se pendurava no balaustro como se fizesse coisas do tipo o tempo todo. Ou como se não fizesse e por isso estava fazendo. A adrenalina de errar um movimento e cair para uma morte flutuante deveria ser no mínimo encantadora.
- And big balls¹ to match. - foi a resposta de B, pura e sorridente.- That's what a man needs.
Ele não pareceu perceber as intenções de Nicolas com sua lamparina, mas Beyond não duvidava do que poderia estar passando na mente do palhaço naquele momento. Afinal, o Darkness era mestre em tirar pessoas do sério quando queria. Até mesmo os que nunca foram sérios....
- Eu não faço minhas tarefas pela metade. Giacomo já está morto, mas você pode ter Giovanni. Que você se entenda com sua irmã depois. - ele inclinou a cabeça, desencostando-se do balaustro ao ver Nicolas saltar quase que à sua frente. Ele aproximou-se do homem com um grande sorriso empinado, até abaixar um tanto o rosto para fitar Nicolas por cima das lentes.- Você acha que eu adubo corpos? Não sou um poodle, Gattile. I eat them and I shit them.
O homem abaixou-se para pegar a lamparina, vendo os insetos da noite fritarem extasiados em sua luminância. Ele calmamente aproximou-se uma vez mais de Nicolas, estendendo o objeto para este.
- Então, palhaço... quando devemos ir até o alvo e preparamos nosso show? Você tem um plano?
¹ Apesar do duplo sentido ser utilizado com êxito, "balls", no caso, tem o sentido abstrato e metafórico de culhões.
Nicolas Gattile Estudante
Mensagens : 43 Data de inscrição : 10/12/2017 Idade : 34 Localização : Na boate mais suja
- Do I really look like a guy with a plan? - ele perguntou, olhando diretamente para os olhos de Beyond com um sorriso despreocupado, que embora não muito esforçado, disfarçava um pouco seu ódio.
Beyond era um cão interessante, Nicolas tinha que admitir. Ele já quase havia o perdoado, de verdade. Mas não significava que não haveria volta.
Nicolas pegou a lamparina das mãos e B e de um movimento rápido que a princípio poderia parecer que era direcionado ao homem de vermelho, mas ao invés disso apenas encontrou seu alvo além da sacada, indo explodir nos rochedos.
- Eu suponho que é hora de deixar os insetos tomarem a liderança. Sua presa está em seu escritório agora. - disse, casualmente sugerindo mas não encarando aquilo como um plano ou nada do tipo.
Beyond Darkness Estudante
Mensagens : 54 Data de inscrição : 26/09/2017 Idade : 44 Localização : Los Angeles | Windfall
Ele absteve-se de responder a pergunta porque ela quase chegava a ser retórica de tão óbvia. É claro que B sabia que Nicolas não tinha um plano, mas ele ainda dissecava cuidadosamente o humor e a personalidade de Gattile, e parecer ingênuo por perguntar a um homem com rosto de palhaço e cabelos verdes se ele tinha um plano para qualquer coisa era apenas parte do procedimento. Além do mais, as respostas vazadas pareciam ser um divertimento para seus ouvidos. Beyond estava entretendo-se o suficiente com o torturador e tinha a sensação de que algo crescente na mente de Gattile, um sentimento puro e simples, o qual B quase podia farejar, tornaria as coisas ainda mais... interessantes.
Quando a lamparina passou a centímetros de seu rosto, no espaço entre seu sombreiro e seu ombro, ele não moveu-se um milímetro. Porém, diante das palavras a seguir, Beyond soergueu uma sobrancelha. Ele lentamente cruzou a destra em seu peito, enfiando seus dedos debaixo do sobretudo vermelho, o típico movimento que fazia para puxar suas pistolas, o que já era uma visão definitivamente preocupante... mas nada saiu dali a não ser um aparelho celular. E das antigas. Aparentemente, o modelo era um tac. Ele logo o abriu e, com uma discagem, levou-o ao ouvido, sem tirar os olhos de Nicolas. A voz que emanou do telefone foi audível até para para o Gattile tamanha sua animação:
- Beeeeeeeeeeeeeeeeeeeyoooooooooond!- era uma voz feminina e quase gasguita, que poderia estourar os tímpanos de qualquer um via celular, mas Beyond não pareceu sentir nada, ou pelo menos já estava acostumado.- É tão bom receber uma ligação sua, puddin', eu espero ver os dígitos 88 que você faz questão de ter em cada número diferente desde, bem... você quase nunca me liga, então e-... - Alessa, o que Giacomo está fazendo aí?- ele cortou aquele papo a meio caminho. Embora sempre sorridente e tagarela, Beyond sabia que não podia esbanjar essa última característica para com Alessa Darkness ou eles passariam a madrugada inteira conversando. E, por mais que ele adorasse a ideia de fazer isso com Nymeria Lindberg e, agora, também com Nicolas, Alessa eram outros quinhentos. - Hã... ah... como você sabe? A resposta foi o silêncio. Aquela também era uma pergunta quase retórica de tão óbvia, mas mesmo assim a menina precisou de alguns segundos para assimilar e finalmente desistir. Ela deveria ser uma das únicas pessoas que ainda perguntavam "como você sabe?" para Beyond de forma totalmente surpresa. - Ah, claro, você sempre sabe, de uma forma ou de outra. Bom, eu o mandei subir ao meu escritório agora, porque os rapazes acabaram de revistá-lo... ele disse que precisava discutir um assunto pessoalmente. Sobre a distribuição das anfetaminas. O tópico que ele quer abordar é que ele diz ter uma proposta melhor que a que mantemos no Novo México. - Não fale nada, não diga que eu liguei, não confirme nada. Apenas mantenha-o aí. Eu estou chegando. - Quê?! Mas, B... são quase quinze horas de viagem, como v-... - Quarenta minutos.- ele a corrigiu prontamente.- Diga a Michael para mandar o SR-71¹. Ouve um suspiro do outro lado da linha. Um suspiro surpreso. - Só para vir, vai usar o SR-71 numa simples viagem? Não acha que é um exagero? - Você falando sobre exageros?- Beyond quis rir. - M-Mas o que Giacomo tem de tão importante?- a menina já parecia atordoada o suficiente depois daquele pedido. - É simples: não tem.- e, dito aquilo, ele tirou o celular do ouvido enquanto Alessa tentava inutilmente fazer mais perguntas, segurando-o com ambas as mãos antes de simplesmente parti-lo ao meio, arrancando sua bateria e jogando todo o resto no mesmo percurso que antes a lamparina de Nicolas traçara.
Somente então Beyond pôs-se a andar, passando por Nicolas e caminhando para a escadaria que descia a montanha do Farol.
- Venha, Gattile.- ele fez uma pausa meio dramática, e então disse:- Você acaba de ganhar um convite para jantar na Darkness Manor.
¹: O SR-71 é o avião tripulado mais rápido do mundo, chegando a atingir 4.300 Km/h(4,3 Mach²). Apenas 3 são mantidos ativos pela NASA para estudos. ²: Mach(Ma) é uma unidade de medida de velocidade, é definida como a relação de velocidade do objeto e a velocidade do som. Ou seja, 4,3 Mach são 4,3 a velocidade do som na pressão atmosférica.
Nicolas Gattile Estudante
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Aquele não seria o primeiro homem com a pistola apontada para seu rosto, então Nicolas também permaneceu sem mover um músculo, os olhos tão arregalados que as pupilas pareciam bem pequenas. Mas Beyond tirou algum tipo de tijolo de dentro do casaco... será que era um explosivo?! Ele sorriu esperançoso mas logo percebeu do que se tratava, e bufou meio decepcionado.
Nicolas caminhou ao redor da base da luz do farol, que girava acima de suas cabeças tranquilamente como se estivesse em Singing in the Rain, e resolveu escalar a luz gigante enquanto Beyond conversava ao telefone. Mas é claro que Nicolas estava atento ao diálogo. Ele era um palhaço, mas ele não era nenhum bobo. Também, nem se ele quisesse poderia ignorar a voz de Alessa Darkness.
Por encostar em algo que não devia, a lâmpada deu um estouro e soltou fagulhas fazendo Nicolas soltar um gritinho curto e assustado. Afinal preferiu descer, colocando um dedo na boca quando Beyond terminou a ligação, aparentemente havia tomado um leve choque.
Com um sorriso ele disse:
- Sua donna* soa adorável. - ele observou o ar de seriedade que Beyond assumiu ao conversar com ela e sentiu vontade de gargalhar enquanto ele quebrava o celular. E como passar vontade não estava em sua experiência, ele deixou o riso vir e ecoar pelo farol.
- Toda essa conspiração me deixou com fome! O que tem para o jantar, Beyond? - ele seguiu o homem de perto, juntando as mãos e levantando um pé, com um olhar falsamente sonhador e apaixonado, batendo os cílios. Aquilo era uma imitação extremamente fiel de alguém que ele só conhecera há poucos segundos ao ouvir uma ligação de outra pessoa? Era possível que sim.
*A palavra donna em italiano é usada para se referir a mulher, esposa, e também a proprietário de algo, como um cachorro.
Beyond Darkness Estudante
Mensagens : 54 Data de inscrição : 26/09/2017 Idade : 44 Localização : Los Angeles | Windfall
Durante toda a ligação, Beyond não tirou os olhos de Nicolas. Ele observou o palhaço escalar o enorme farol como se esta fosse a coisa mais sensata do mundo a se fazer para passar tempo(mais precisamente os dois minutos de conversação) e tirou vantagem mentalmente quando o grito do torturador só soou quando ele já tinha quebrado o aparelho. O Darkness não precisava de Alessa enchendo-lhe os ouvidos sobre aquilo, era um risco até que ela mesma decidisse vir junto no SR-71, ignorando suas ordens a princípio simplesmente porque "achou que fosse uma mulher gritando" e isso aflorou seus ciúmes doentios.
- Eu posso servi-la, mas ela não segura minha coleira.- ele respondeu o comentário do outro num tom bem-humorado e seu semblante por si só retribuía o sorriso de Nicolas como se fosse um espelho.- E eu definitivamente não pratico zoofilia.
Beyond tinha um jeito quase mórbido de se referir a qualquer coisa de conotação sexual, como se ele ignorasse os tabus que existiam em relação a esse tipo de coisa e tratasse o assunto da mesma forma com que trata compras num supermercado. Embora ele não faça compras no supermercado.
- Estava me acostumando com "puppy".- Beyond disse, fazendo questão de destacar o fato de que Nicolas havia mencionado seu nome de verdade pela primeira vez desde que aquela longa noite se dera início. Mas é claro que o Darkness não o recompensaria por isso ou sequer demonstraria o mínimo de gratidão, afinal ele tinha uma mania estranha, quase um tabu, de contradizer lindamente as reações que se poderiam esperar de alguém "normal".- Eu espero que goste de traidor à milanesa, palhaço.
Com o avião já chamado, ele deveria chegar mais breve do que qualquer um dos dois ali poderiam imaginar, mas era impossível fazer um pouso naquele penhasco, de forma que o Darkness dirigia-se para a praia que cercava a montanha. Enquanto desciam as escadarias, houve um momento de silêncio da parte de B, antes que ele simplesmente perguntasse:
- Como vai sua mãe?
Nicolas Gattile Estudante
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Nicolas levou as mãos às bochechas e riu uma risada gostosa e genuína, como se a princípio estivesse surpreso com a comparação, mas depois se entregasse às risadas. Maldito gracista.
Nicolas sentiu uma satisfação estranha quando Beyond fez o comentário, como se já tivesse aprendido a detestar Alessa mesmo sem a conhecer.
“Estava me acostumando com “puppy”
- Oh, really? - Nicolas soltou a interjeição como se realmente não esperasse essa vindo daquele cara. Passou a língua sobre os dentes grandes e enquanto sorria. Aquele ali já tinha um pet name. Era como uma marca. Uma que dizia que aquele cara era merecedor de seu ódio e admiração. O escuro encobriu seu sorriso lisonjeado.
Aah que vontade de socar a cara dele! Cortar seu rosto com uma faca, espancá-lo com um pé de cabra. Lamber o sangue de suas feridas! Lamber... ARGH! Ele sentiu um arrepio na espinha, e uma excitação quase física qundo ouviu o que tinha no menu.
- Com bastante molho vermelho, eu espero. HAHAHAHAHAH!- a risada louca voltou com força total, e ele seguiu na frente de Beyond para descer as escadas.
Assim que ouviu a última pergunta, ele levou a mão ao peito. Qualquer fosse a intenção de Beyond, talvez para tirá-lo do sério como aconteceu ao mencionar seu pai, ou mesmo para fazê-lo odiar ainda mais o homem de vermelho, provavelmente falhou. Talvez ele só quisesse mesmo saber como ela estava.
Nicolas parou e se virou, os olhinhos brilhando. Ele tinha um sorriso muito estranho no rosto. Como se estivesse feliz que B perguntou. Como se estivesse feliz que alguém se importava, ou mesmo que não se importasse, que havia perguntado. Como se estivesse alegre pelo fato de alguém saber e se lembrar de quem ela era, e sobre sua obra. E especialmente parecia contente ao falar sobre ela, como se discorresse sobre alguém que ele amava muito, mas não tinha escolha a não ser a distância.
- Ela está bem! Estive lá na segunda. Eu não estava me sentindo tão bem. Mas ela sempre tem um jeito de me fazer me sentir melhor. Talvez seja só sua presença.
Ele sorriu docemente e se virou para continuar a descer.
- Por que a pergunta? Você é um fã? Talvez até um admirador ou um copypuppy*?
*Mistura de copycat (imitador, especialmente de crimes e modus operandi) e puppy, uma vez que B é um cão.
Beyond Darkness Estudante
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Talvez Beyond entendesse o significado que um pet name representava para Nicolas e por isso gostaria de manter seu título, por mais que puppy pudesse soar humilhante para qualquer um, principalmente alguém com o porte de B, o homem de vermelho esbanjava uma certa satisfação pessoal diante daquilo. Suas reações, por mínimas que fossem, eram, na esmagadora maioria das vezes, simplesmente imprevisíveis. No momento, ele estava apenas seguindo o rastro, farejando o sentimento que o Gattile mantinha em conflito dentro de si.
- Tenho certeza que sim.- ele disse, parando a meio caminho de descer mais um degrau, pois Nicolas tinha virado-se e esbanjava aquele sorriso que parecia díspar a todos os outros que Beyond vira estampar naqueles lábios vermelho sangue. Ainda assim, embora tivesse mirado no ódio e acertado no mais puro amor que um palhaço como aquele poderia sentir, o cão dos Darkness ainda parecia extremamente gratificado, afinal, havia descoberto mais uma faceta desconhecida até então.- A presença deMaddie é gratificante por si só.
Ele parecia ter feito questão de mencioná-la pelo apelido íntimo, mas pôs-se a descer os degraus novamente quando o palhaço também continuou.
- Você acha que eu lembro ela?- ele soergueu-lhe uma sobrancelha ao ouvir "coppypuppy", o sorriso se alargando num quase riso que não saiu.- Não, Gattile. Eu sou apenas um amigo de longa data...
A memória de longos anos atrás ainda estava fresca em sua mente como se cada detalhe registrado estivesse tão marcado em seu cérebro quanto seu idioma natal ou matemática básica. Era essencial lembrar-se, porque as memórias são o que moldam os monstros. E, no momento, enquanto descia aquelas escadarias, ele teve um flash estarrecedor que fez coçar seu subconsciente. Foi antes da Darkness ascender. Foi há muito mais de oito anos atrás. O Olho Vermelho ainda estava dominando a vida de Beyond, que não passava de um recém adulto em seus meros dezoito anos na época. Era noite de lua cheia e uma base principal da máfia italiana estava em chamas, caindo aos pedaços. A destruição se alastrava por todo o campo verde que a construção anteriormente se escondia, localizado no alto de uma montanha. Haviam corpos espalhados por toda parte, a maioria irreconhecíveis. O metal estalava, as borrachas derretiam e o cheiro de sangue e pele queimados eram quase nauseabundos. No entanto, um grito de dor sobrepôs tudo aquilo. Um jovem rapaz caía ao chão, perfurado bem no estômago pelo arco de um violoncelo, cujas crina havia sido estrategicamente trocada por uma lâmina afiada. Era a arma mais letal que ele já vira, pelo menos quando estava nas mãos da mulher à sua frente. Ele arrastou-se no chão, grunhindo, recostando-se numa rocha que logo foi completamente manchada por conta de seu sangue ao mesmo tempo que ele tentava manter o objeto afiado sem muito se mover dentro de suas entranhas ou só acabaria por perder mais sangue se tentasse arrancá-lo dali. Sua visão estava escurecendo, mas ele sabia que ainda havia algo a se tentar. Contra o fogo, a silhueta da mulher era uma sombra viva, movendo-se na direção dele com certa lentidão, pois ele bem sabia os ferimentos que havia conseguido deixar nela. Uma lâmina brilhou em uma de suas mãos e ele podia ver que ela sorria, sorria abertamente. E então ela avançou. Rápida, quase enlouquecida. E no mesmo segundo que a faca dela perfurou sua garganta, o cano da pistola que ele puxara de seu colete de couro preto fez pressão debaixo do queixo dela. Um filete de sangue escorreu do furo raso no pescoço dele enquanto havia um click surdo, a trava da arma sendo retirada. Os dois ainda respiravam, forte, descompassadamente, mas havia algum ritmo quando ambos os suspiros se uniam, contrastando com o barulho do fogo que engolia tudo logo atrás. Congelados, as palavras dele cortaram o ar antes de mais nada:
- Tempo.- ele pediu como se desse pausa a um jogo, um pedido tão simples e tão absurdo num momento como aquele. Com a outra mão, a que segurava o arco que traspassava seu corpo, ele escorregou seus dedos para seu bolso, retirando dali um maço de cigarros, o qual ele pinçou um com os dentes, fitando a mulher intensamente quando ela displicentemente fez um comentário engraçado sobre isso antes que ela mesma pudesse acender o cigarro dele com um graveto próximo que estava em chamas. Ele deu uma tragada profunda e voltou a encarar a situação à sua frente, a lâmina ainda em sua garganta, a arma contra o queixo dela.- A bala que eu tenho aqui... não vai matar você.
O aperto em seu pescoço aumentou, e ele sentiu mais sangue escorrer dali. Mas Beyond ainda sorria. Desde aquela época, ele já nunca parava de sorrir.
- A bala que eu tenho aqui... vai transformar você. Vai fazer com você o que eles fizeram comigo. E você... você não é um monstro, Pierrot. Não como todos dizem, inclusive sua família. Você é só boa demais pra isso. - ele inclinou a cabeça, sem se preocupar se isso poderia acabar degolando-o ou não. As íris azuis e cinzentas de Beyond a encaravam sem sequer piscar.- Eu também não sou um monstro.... ainda. Eu sou apenas comida de cão... e seria uma benção ser devorado antes de apodrecer. Eu adoraria que você tivesse me derrotado... chegou tão, tão perto, Madeleine... mas não foi hoje.
E, dito isso, o aperto contra o queixo dela afrouxou. O jovem Beyond atirou a Casull 453 para longe, ficando completamente exposto à mulher.
- Vá.- ele disse, sorridente, a voz embargando por conta da perda de sangue que lhe escorria pela testa, pelos curtos cabelos negros, pelo olho e pelos cantos da boca.- Seria um desperdício se eles pegassem você.
Ele fechou os olhos, claramente esperando um golpe final... mas este não veio. Suas íris claras se mostraram mais uma vez, apenas para ver que a mulher se afastava já ao longe, escondendo-se nas sombras do grande campo.
Beyond sorriu. Então, ele tragou seu cigarro tranquilamente mais uma vez, enquanto luzes vermelhas se aproximavam. Homens com uniformes pesados saíam de vários camburões e cada um deles gritava um nome que fora de B, mas não mais o pertencia. Eles chamavam pelo nome de "Judas Priest". Não foi difícil que o achassem. Um velho com batina de padre e tantos terços no pescoço que davam a impressão de que ele estava sendo sufocado por estes sobrepôs-se no meio dos homens altamente armados e com sua voz carrancuda indagou, sem realmente dar a mínima para o arco que traspassava a pele de seu Judas:
- Onde ela está? - Escapou.- a resposta veio rápida e sorridente. - O que você quer dizer?!- o homem chutou o rosto jovem, acabando por fazer com que seu cigarro amasse e caísse na grama.- Você não foi feito para deixar ninguém escapar! Com um sorriso machucado, o jovem agarrou seu cigarro novamente, pondo-o mais uma vez na boca. - E ela não foi feita para ser presa.
Eles o levaram dali, atiraram-no contra um dos carros, prenderam-no com algemas e coleira. E, depois daquela noite, toda a crueldade que a máfia do Vaticano poderia guardar, foi toda liberada contra Beyond. Depois daquela noite, ele foi transformado no monstro que era hoje.
Quando eles atingiram o final da escadaria, algo cortou os céus. Parecia impossível de visualizar o que era, era um vulto negro manchando a lua lá em cima, como um grande inseto de metal desafiando a luminescência, brincando com ela, vencendo ela. Apenas quando a velocidade diminuiu foi que se pôde distinguir que aquele era o SR-71 e ele preparava-se para pousar na grande areia da praia.
- Ah... aí está o Blackbird.
Nicolas Gattile Estudante
Mensagens : 43 Data de inscrição : 10/12/2017 Idade : 34 Localização : Na boate mais suja
- É, sim. - o palhaço concordou, ainda sorrindo daquele jeitinho fofo que era tão alien naquele rosto.
- Um amigo? - ele franziu o cenho, mas deu de ombros. - Eu não saberia mesmo. Ela está sempre amordaçada, nunca podemos conversar livremente, desde que ela mutilou três guardas ainda restringida por uma camisa de força. Ninguém nunca se perguntou o que os três estavam fazendo com ela no porão.
Ele pausou um pouco, pensativamente.
- Sabe, Midwich é um lugar ruim, mas não é pior que o resto do mundo. Se eu estivesse lá, pelo menos estaríamos juntos, mesmo em silêncio. Estranho. Eles dizem que eles lá dentro é que estão presos, mas é aqui fora que eu me sinto atrás de barras.
Nicolas sorriu para Beyond e terminou de descer as escadas e ambos saíram da construção no momento em que o avião pousava na areia. O vento mexeu com seus cabelos verdes e seu paletó roxo, e Nic olhou para Beyond na hora que a porta desceu formando uma rampa.
- Está tentando me impressionar, puppy? Nosso primeiro encontro está bem romântico. Sabe, marcado com um bilhete num lugar com uma bela vista, uma carona luxuosa, assassinato e conspiração, e pra terminar a noite um jantar. É, você está indo bem até agora.
Enquanto falava, Nicolas tirava o paletó e dobrava as mangas até os cotovelos, alisando o colete roxo e ajeitando a gravata e deslizando os dedos pelo cabelo, ajeitando-os. Ele se aproximou da porta, mas uma curta saraivada de tiros perto de seus pés fez com que ele pulasse de volta para perto de Beyond, agarrando seu braço. Colocando uma mão sobre o peito, ele respirou fundo.
- Puta merda, que susto!
Beyond Darkness Estudante
Mensagens : 54 Data de inscrição : 26/09/2017 Idade : 44 Localização : Los Angeles | Windfall
Beyond nunca foi um cão submisso. Bem, não quando estava consciente de suas ações. O dia em que deixara Bellamorte escapar foi o dia em que suas escolhas se sobrepujaram a tudo: à catástrofe, à perda, à tortura que iria sofrer. No fim, ele escolheu, abertamente, transformar-se no monstro que o fizeram depois daquele dia. Talvez essa fosse uma das principais escolhas que ele tivesse orgulho. E também lhe fosse uma das mais dolorosas para suportar. Como Madeleine Pierrot, mãe de Nicolas Gattile, Beyond era um rebelde. Ele a deixara partir levando um pedaço dele com ela, aquele pedaço seu que era humano, aquele pedaço indisciplinado de ser. E agora ela estava presa. Pelo que sabia, Madeleine já estava há muitos anos trancafiada em Midwitch... é claro que o Red Engel jamais admitira o quanto aquilo lhe soava triste. Ele não poderia se imaginar atrás de grades. Sob comandos, sob alguém. O único motivo pelo qual não era chefe da família Darkness era simplesmente por conta que, na sua vida inteira, ele fora um cão. E tinha aprendido a viver como um. Por isso, ele pôs Alessa Darkness lá. Há alguém maior que Alessa no escalão da família, e Beyond se ajoelha diante desse alguém maior... mas sempre com aquele sorriso insolente no rosto.
- É bom saber que ela ainda pode cuidar da própria pele sozinha.- ele disse depois de Nicolas discorreu sobre o acontecimento com os guardas no porão.- Não há nada para saber, Gattile. A lenda que foi sua mãe está aí, embora um pouco esquecida. E digamos apenas que eu não sou tão jovem quanto você disse que eu era.
Beyond não esperava que Madeleine pudesse ser controlada. Ele jamais poderia imaginar que, depois daquela noite, ela acabaria atrás de grades. Isso era uma espécie de morte para Beyond, talvez até pior que isso... porque ele pensou que, se ele tivesse balas normais naquele dia... Ele teria atirado.
No entanto, as palavras de Nicolas o pegaram de surpresa. Por um momento, seu sorriso vacilou, mas a sorte é que isso foi invisível para o palhaço, já que o mesmo andava na frente. "Eles dizem que lá dentro é que estão presos, mas é aqui fora que eu me sinto atrás de barras". O esquecido Judas Priest passara a maior parte de sua vida atrás de grades. Ou acorrentado, ou amordaçado, sendo furado, tocado, violentado por superiores. E ele jamais poderia dizer que estava de qualquer forma livre ali. Seus punhos se apertaram.
- Você... não faz a menor ideia do que está falando, palhaço.- aquelas palavras. Elas saíram como um rosnado feroz. Se Nicolas se virasse, perceberia que o rosto de Beyond estava sério. Nem mesmo seus olhos sorriam.- Prefere as barras? Não seja tolo. Como você pode ser livre, ser real, estando acorrentado a um lugar que nem real é? Todos ali são apenas marionetes controladas, não vivendo, mas apenas existindo. Quer estar junto de sua mãe? Convença-a de que está errada e traga-a para o mundo! Seja ele como for na visão de um louco... é melhor do que sequer poder enxergá-lo, pois você percebe que não há diferença quando a luz está apagada ou acesa quando se está numa cela!
Silêncio se fez, sendo cortado apenas pelo grande vento que os atingiu quando o avião pousou, o vento rechaçando os cabelos e o sobretudo de Beyond. Até que ele percebeu. Ele tinha acabado de dar o que Nicolas estava esperando. A bala tinha acabado de sair pela culatra. Então Beyond riu. Ele gargalhou gostosamente, dando de ombros e caminhando ainda atrás de Nicolas quando ele ironizou toda a situação.
- Oh, você me pegou.- não se saberia dizer se ele estava falando isso sobre sua "pequena" mudança de humor ou sobre a ironia de tudo ser um encontro romântico, mas o homem entrou na brincadeira, falando de maneira sarcástica:- Quer saber os meus planos para nós depois do jantar?
Ele deixou aquilo no ar até ouvir o estampido dos tiros e ter Nicolas agarrando seu braço apenas um segundo depois.
- Desculpe, querida, espero que isso não tenha estragado nossa noite.
SR-71 :
O modelo do avião era no mínimo assustador. A partir dali, Beyond subiu pela ponte de metal lado a lado com Nicolas e os dois atiradores que estavam logo à entrada subiram suas armas, não mirando mais em nenhum deles. Um dos homens era Mike, com uma 9mm, e ele olhava a situação com uma certa confusão, estalando a boca com o lábio inferior. O outro homem era um ruivo de cabelos longos e trançados, com um chapéu de cowboy e colete militar. Seu rosto era jovem e ele usava um tapa olho no lado direito do rosto. Ele também apontava sua garrucha para o teto, com uma expressão bem mais expressiva de atordoamento.
Bernardo:
- Eu achei que fosse matá-lo, senhor.- disse Mike, lançando um olhar indiferente a Nicolas, já saindo de sua posição defensiva e suspirando pesadamente. - Eu também.- respondeu Beyond, entrando com Nicolas na enorme aeronave.- Mas o alvo mudou. - Eerrr, olá, senhor palhaço... digo... como é mesmo o seu nome?- indagou o ruivo, coçando a cabeça.
Assim que passaram, a ponte logo encolheu atrás deles e o compartimento se fechou. Ali dentro, a visão era de puro luxo.
Interior do BlackBird:
- Eu vejo.- disse Mike, com aquele seu tom de voz de nada.- A sala de tortura já foi devidamente preparada e a senhorita Alessa está conversando com Giacomo. Devemos chegar logo. Por favor sentem-se, apertem os cintos... e você sabe o que fazer.- ele disse a última parte especificamente para Nicolas, embora tivesse simplesmente deixado no ar, encarava-o com uma clara expressão de "tente algo e sou eu quem vai acabar com você".
O velhinho carrancudo saiu, trancando-se juntamente com Bernardo, que deu um tchauzinho antes de se unir ao velho na cabine de comando. Beyond, enquanto tudo aquilo, tirava seu sobretudo, ficando apenas com a roupa social que usava por baixo. Ele também tirou o chapéu sombreiro, o que fez com que seus cabelos, que pareciam ir somente aos ombros, caíssem, desenrolando-se em fios lisos e negros até um pouco acima de sua cintura. Ele sentou-se numa das poltronas extremamente confortáveis, agarrando uma taça de vinho que dava bobeira na mesa à frente juntamente com várias outras guloseimas e fez um gesto para que Nicolas se unisse a ele. Beyond já sorria abertamente, como se nada tivesse acontecido, mexendo a taça como se para tornar o líquido homogêneo.
Nicolas Gattile Estudante
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Nicolas percebeu a intensidade do pisão que acabara de dar no calo de Beyond quando a voz do outro se alterou completamente. Ele apenas virou a cabeça, o maior sorriso do mundo estampado na cara. Pura. Satisfação. Ele poderia discursar sobre seus motivos, explicar a sua visão de mundo e por que se sentia deslocado. Ele podia discorrer sobre como as pessoas usam máscaras aqui fora, e quando são genuinamente elas mesmas recebem o título de “loucos”. Talvez Beyond até concordasse com ele. Ele poderia. Mas ele não iria. Nicolas apenas se virou e fez a voz ecoar pelo farol, cantando um sucesso de Sinatra, e revelando que sua voz podia ser mais que gritinhos de susto e discussões esganiçadas.
- I’ve got youuu... under my skin. I’d tried so not to give in!*Hahahaha...
Ele gargalhou antes de sair do farol.
“Quer saber os meus planos para nós depois do jantar?”
Nicolas estreitou os olhos.
- Estou ambos desconfiado e excitado por essa ideia, mas suponho que eu vá descobrir, cedo ou tarde.
Seu sorriso voltou e só sumiu quando ele já havia se agarrado ao braço de Beyond pelo susto. Ser chamado de querida fez com que ele revirasse os olhos de maneira cômica:
- Mas é claro que não! Um primeiro encontro não é um bom encontro se você não for quase baleado e receber pelo menos três ameaças de morte.
Ele deu o braço a Beyond como se fosse uma dama, e juntos seguiram COM SEGURANÇA pela rampa até a entrada. Ele lançou um olhar a Mike como se tivesse sido traído.
- Surprise, bitch. I bet you thought you’d seen the last of me.** - ele disse, com um ar convencido. Olhando para o ruivo, sua atitude mudou completamente. Ele deu um sorriso amigável e estendeu a mão.
- Hi.*** Nicolas Gattile, mas pode me chamar de daddy.
Ele sorriu e em breve Mike fez seu comentário, e, sem que mais ninguem visse, ele pressionou a língua contra a parte interna da bochecha, em um gesto um pouco obsceno para quem visse. Ele abriu um sorriso da cara de merda ou reprovação que provavelmente recebeu do velho. Mudando de volta para a atitude simpática, ele retribuiu o tchauzinho de Bernardo e logo se juntou a Beyond.
Colocou o paletó sobre o braço de uma das poltronas e ajeitou melhor a gravata, colocando as mãos nos bolsos de maneira casual.
- Quarenta minutos, eh? - ele foi até uma das fruteiras e pegou uma grande e redonda uva verde e a observou por um tempo, como se não tivesse certeza de que era real. Afinal, colocou-a na boca e sentiu como ela explodia despejando seu suco azedinho pela língua. Ele sentiu um calafrio, mas adorava os sabores azedinhos. Pegou uma taça com outras frutinhas cítricas e se sentou de frente para B.
- Alguma ideia do que fazer para matar o tempo?
Mesmo sem querer, ele parecia sugestivo. Ou não era sem querer? Com um garfinho de petiscos verde ele pegou uma rodela de kiwi e colocou na boca, esperando uma resposta.
*”I’ve Got You Under My Skin”, de Frank Sinatra, 1963. Traduz-se para “Eu tenho você sob minha pele/Eu tentei tanto não ceder”. A expressão “to get under one’s skin” significa obcecar ou afetar os sentimentos profundos de alguém.
**Uma referência a AHS - Coven, onde a personagem Madison Montgomery supostamente retorna dos mortos e confronta Fiona Goode.
***Uma referência ao Coringa do filme O Cavaleiro das Trevas, quando ele visita o desfigurado Harvey Dent no hospital.
Beyond Darkness Estudante
Mensagens : 54 Data de inscrição : 26/09/2017 Idade : 44 Localização : Los Angeles | Windfall
Tirar Beyond do sério não era um trabalho fácil. Bem, não quando não se conheciam seus calos. Aquele homem era sempre uma barreira impenetrável contra todo tipo de insultos, blasfêmias, ameaças e agressões. Mas o problema é que os calos de B estavam não nele, mas nas pessoas as quais ele julgava minimamente interessantes. Ele tratava cada uma delas como artefatos colecionáveis, dissecando o humor e a personalidade de cada um e acabava por se tornar minimamente possessivo diante de tudo isso. Se fosse possível analisá-lo como o personagem de uma história e classificá-lo, Beyond seria o antagonista que faz cada protagonista crescer e desenvolver. O fato é que ver Nicolas querendo "seguir os passos da mãe" deixou Beyond minimamente frustrado. Ele via potencial em Gattile, via o quanto ele podia crescer, se proliferar, se impor. Ele ainda não aceitava que Bellamorte simplesmente se deixasse apodrecer em Midwitch ano atrás de ano. Tampouco aceitaria que seu filho nutrisse simpatia pela mesma ideia.
Mas é claro que entendia que não estava em seu poder impedir qualquer coisa que fosse. Ainda assim, a raiva de Beyond era vívida pelo repúdio à atitudes que ele julgava serem fraquezas em pessoas, em sua opinião, tão promissoras.
O Darkness apenas observou que Nicolas cantarolasse alegremente e com razão. Ele provavelmente era a primeira pessoaviva a ver Beyond daquela forma.
- O que é a excitação sem a desconfiança? Já imaginou se fôssemos todos condenados à prisão de nossas imaginações perfeitamente representadas? Não teria a menor graça.
E então eles adentraram o avião, onde Mike realmente não acrescentou nenhum comentário sobre o gesto obsceno de Nicolas, visto de esguelha por Beyond, que por algum motivo alargou o sorriso enquanto Bernardo deixava escapar um risinho, parando imediatamente quando Mike lhe lançou um de seus olhares mortais e deixou o grupo.
- É um prazer, eu sou Bernardo. Ah, acho que... eu fico com Mr.Gattile mesmo... - Bernardo pigarreou, uma gotinha lhe escorrendo a testa.- Eu gosto de ficar por cima, amigo.- ele sorriu, como se tivesse provado um ponto, até apressar-se para acrescentar:-N-Não que eu esteja aceitando nenhuma proposta de caras, droga!
Ele disse antes que desse o tchau e se apressasse para a cabine.
Beyond, por sua vez, ainda balançava a taça de vinho e encarava Gattile com seu sorriso esbelto que havia voltado a reinar em sua expressão.
- Eu sugeriria...- ele começou, num tom estranhamente lascivo, o sorriso se alargando de forma igualmente luxuriante.- Que você colocasse o cinto de segurança. Mas é um pouco tarde para isso.
Mike nunca avisava quando ia decolar. Beyond já estava acostumado a isso e poderia-se dizer que estrategicamente escolhera o assento virado para o lado oposto à direção que a aeronave tomou, por isso tudo o que sentiu foi seu corpo sendo afundado contra a poltrona, o líquido vermelho em sua taça balançando freneticamente, mas não derrubando uma gota sequer. Já Nicolas, que sentara em sua frente, provavelmente deveria ter sido vítima de um empurrão enorme, capaz de arrancá-lo da poltrona se ele não pudesse se segurar a tempo. Aquele avião era capaz de cortar a velocidade do som e produzir uma onda de choque se espalhava por onde ele passava. Não foi a toa que durante a aceleração algumas árvores simplesmente foram partidas no tronco como se uma super lâmina invisível as tivesse decepado. Dentro do avião, qualquer que fosse o impulso de Gattile, uma laranja que lhe escapuliu da taça pulou para fora do recipiente, acertando um botão alojado na poltrona que de repente fez com que todas as luzes da fuselagem se apagassem e de repente novas se acendessem, o ambiente tomando o aspecto de uma baladinha colorida, como uma discoteca, ao mesmo tempo que uma música no mínimo inusitada se dava início:
Um riso anasalado escapou de Beyond enquanto ele limitava-se a bebericar de seu vinho durante toda a confusão.
Nicolas Gattile Estudante
Mensagens : 43 Data de inscrição : 10/12/2017 Idade : 34 Localização : Na boate mais suja
Nicolas se divertiu vendo a reação de Bernardo, e ele deu uma risadinha, com o sorriso bem aberto.
- Sorte sua, eu jogo em qualquer posição. - ele havia dito, antes que os dois sumissem pela porta da cabine.
Nicolas ainda se deliciava com a fatia de kiwi quando ouviu as palavras de Beyond, e franziu o cenho, olhando para o cinto solto ao seu lado.
- Huh?
O que veio a seguir, quando aconteceu, começou em câmera lenta. Beyond permanecia com aquela cara irritante mas Nicolas sentiu-se arrancado de seu assento e começou a voar pelo ar. Garfinho para o lado, taca para o outro, frutas por foda parte. Durante sua trajetória quase meteórica, ele fincou uma uva e a levou à boca rapidamente antes de terminar de ser catapultado até o assento de Beyond.
Ele caiu meio desconjuntado no colo de B, os rostos desconfortavelmente próximos, as pernas de Gattile abertas e encaixadas dos lados da poltrona, as mãos tentando aparar o arremesso, acabaram sobre o peito do homem de vermelho. Nicolas bufou irritado ao ver a cara mais lavada do cão, e amaldiçoou o fato de ter caído como uma high schooler japonesa no colinho do senpai. E então a música começou. Alta e ridícula, com luzes para combinar. Conforme o SR-17 estabilizava a aceleração, Nicolas deixou-se deslizar da poltrona e procurou acalmar o coração, as mãos nos joelhos de B e o rosto... bem, para qualquer um que viesse da cabine pareceria que as coisas entre aqueles dois já estavam um bocado mais avançadas.
Nicolas olhou para cima, para B, enquanto ainda estava ajoelhado a seus pés, e sua expressão era um misto de irritação e aceitação forcada. Ele sabia que não podia culpar B por essa, e isso o deixava ainda mais irritado. Ah, o gosto da vitória havia ido tão facilmente quanto havia chegado.
Mas aquilo não era de todo ruim. Ele estava em uma posição de vantagem agora, nao é mesmo? Ele duvidava que Beyond jamais aceitaria qualquer tipo de avanço vindo dele. Estava certo, muito certo, mesmo depois das insinuações dele no farol. Afinal de contas, cão que ladra não morde. Ele suspirou e apoiou o rosto em uma das mãos, com um sorriso.
- Parece que agora você me tem bem onde queria. Então, agora o que, puppy?