Estacionamento

Natasha encostou-se na parede, cruzou seus braços e observou a cena. Não tinha muito que ela pudesse falar ali, aquilo era um assunto que precisava ser resolvido entre os dois e os dois apenas. Apesar de estar junto de Edrik, não era como se ela pudesse simplesmente falar algo ali, era um assunto extremamente delicado. Natasha não conhecera a mãe dos dois, e se chegara um dia a conhecê-la, fora nova demais para lembrar-se dela. Mas conseguia notar o amor que ambos tinham por ela. Ter que matar a própria mãe... Isso era algo que deveria pesar em ambos. Ela até questionaria-se que tipo de monstro matava alguém da própria família mas...

...

Não gostava de pensar sobre si mesma como um monstro. Apesar de as vezes lembrar um.

- Se esquente não, Nymnym - Natasha adorava inventar apelidos para Nymeria, apesar de muitas vezes preferir chamá-la de irmãzinha. Mas agora, dada a situação com Edrik, isso lhe parecia meio estranho.

- Até mais, Nymnym!

Natasha acenou enquanto ela saía, e então voltou seus olhos para Edrik por um momento. Queria poder passar mais tempo com ele, mas ambos precisavam resolver seus próprios deveres. Ela tinha que voltar até Ivan, explicar mais uma vez a sua mentira e voltar para seus trabalhos junto do Inverno Soviético. E Edrik tinha suas próprias missões para concluir. Mas talvez, mais alguns minutos não fosse algo tão ruim assim. Aproximou-se e abraçou-o por trás, suspirando levemente.

- Então... Sobre esconder essas marcas...

- Deus sabe que eu queria mantê-las, - Nat olhou para Edrik e sorriu de uma maneira completamente pervertida. Ela queria muito que todos soubessem sobre eles, que reconhecessem aquele relacionamento que ela gostava tanto - Mas não podemos deixar elas, não é?

Soltou-o e virou-o de frente para ela, beijando o príncipe dos Lindbergs da sua maneira sedenta e exigente de sempre. Aquele relacionamento que estava começando era, sem sombra de dúvidas, a melhor parte de sua vida. O dia em que se juntara ao Inverno Soviético ficando um pouco atrás e o fatídico dia em que deixara sua casa ficando em terceiro lugar. Esse era o efeito que Edrik tinha, até mesmo momentos que afetaram todo o curso de sua vida eram facilmente deixados para trás.

- Vamos lá, você tem muitas marcas para remover.

Noite fria. Normalmente Natasha não tinha o costume de usar algo que não fossem regatas e suas calças folgadas, julgava que outras roupas atrapalhavam e só continuava a usar calças porquê se acostumara a lutar com elas. Mas, naquela noite, seu corpo estava mais coberto por uma camiseta de manga comprida e uma jaqueta preta, escondendo as tatuagens de rosas e as marcas que Edrik havia deixado, já que o uso de uma regata não deixava apenas seus braços evidenciados, também deixava seus peitos e o rapaz de cabelos brancos certamente os adorava.

Como o próprio falava era melhor que deixassem os calores do corpo de lado por enquanto, até terminarem a investigação daquela noite. Não que Natasha tivesse o costume de interferir, apesar de ter que admitir que não haviam gastado tanto tempo assim investigando nos últimos dias, mas ela sempre tivera impulsos. Era conhecida por ser não só uma pessoa brutal, como uma emocionalmente explosiva, suas emoções sempre vindo de uma vez só com um estouro e sumindo apenas após ter tido algum tipo de efeito. Normalmente era sua raiva, esta sempre vinha como um furacão e levava todos que ficassem no seu caminho, mas ultimamente sua luxúria havia começado a tomar conta dela também justamente por estar com Edrik.

Não sabia fazer nada com moderação, como o namorado bem sabia. Em verdade ou ela estava em alta velocidade ou estava extremamente lenta, não tinha um meio-termo com ela. Apesar de esconder isso bem com seu exterior rude e descontrolado, Natasha vinha se perguntando se essa sua maneira de agir não era... Ruim, para Edrik. Não pensava isso apenas pelas transas, ela era num geral impulsiva e por vezes gerava dores de cabeça em pessoas queridas. Julgava-se um pouco por isso, sentia que não havia mudado nada desde que era uma criança.

- Se por ''ficar te tentando'' você se refere à eu ficar reclamando da vida até você me beijar, então você tem um ponto bem válido aí. - Ela riu após falar aquilo, sabia que conseguia ser bem provocativa com ele. - Para onde vamos, querido?

- Toda a culpa, porra. - Ela disse sorrindo, Edrik sabia que Natasha usava palavrões como se fossem vírgulas, portanto aquela frase não saíra com uma entonação irritada. - Sempre bom se exercitar, acho.

Ela não gostava de esforçar-se muito, era um pouco preguiçosa nesse quesito. Missões como aquela não eram bem a especialidade dela e muito menos a sua preferência, ela era o tipo de pessoa que era enviada para enfrentar um grupo enorme sozinha e saía vitoriosa, era praticamente uma mestra no combate corporal e sua agilidade natural era acompanhada por uma força brutal. Não servia muito para missões de reconhecimento, muito menos de investigação, essas partes ficavam para Edrik. Mas ela tinha pena do puto que tentasse ficar no caminho deles.

Quem olhasse para os dois certamente não enxergaria um casal, principalmente quem conhecesse e soubesse da verdadeira natureza dos Lindbergs. Eles veriam uma segurança extremamente irritada acompanhando um rapaz que provavelmente estava lhe causando dita irritação, portanto de certa forma sua personalidade explosiva servia de cobertura, era simplesmente difícil imaginar aqueles dois juntos tanto como um casal mais ''normal'' como com um casal mais extremo, este último sendo basicamente o que eram.

- Talvez esteja buscando algo relacionado ao incidente? - Ela não mencionava Shadow pelo nome, não gostava de pensar na mãe de Edrik e Nym como aquela... Coisa, que virara. Mas também não falava isso na cara de Edrik. - Ou talvez esteja apenas esperando um momento certo para atacar a Nymeria? Se bem que acho que essa última ideia não combina muito, ele teria que ser burro pra caralho para tentar algo assim.

De fato, Natasha não era boa para mentir. Como estava servindo de segurança para Edrik, ninguém no Inverno Soviético fazia perguntas quando ela não voltava para a base e ''dormia no sofá do apartamento'' já que era apenas natural que ela ficasse ao lado dele, principalmente depois de missões noturnas. Mas ela também sabia que a desculpa que dera para Ivan, um dia depois de terem confessado seus sentimentos e transado como loucos, não havia colado e que o gigante russo apenas não falara nada para ela ou sobre o assunto num geral por ter um enorme carinho pelos gêmeos. Certamente ele já havia compreendido que a relação dos dois havia mudado e respeitava a decisão de Edrik, mas que Natasha teria problema se outros fossem perguntar, isso era um fato. Bom, ela era uma das quatro pessoas que lideravam o grupo, as outras sendo Ivan, que jamais falaria sobre o assunto, Sergei, que não notara nada, e Boris... Na verdade seria bem preocupante se Boris, de todos os integrantes do Inverno Soviético, descobrisse o que estava acontecendo e perguntasse sobre.

- Sei lá, informações ruins normalmente levam à decisões ruins, talvez o que ele estava buscando não estivesse lá? Aquela não era a única base na cidade. - Ela deu de ombros, estava apenas atirando cegamente ali, não tinham informações boas o suficiente para tentar adivinhar uma motivação. - É, eu sei. Falei só porquê não acho que ele gosta de vocês.

Ela ouviu Edrik falar e considerou as palavras dele por um pouco.

- Se ele estava aliado com eles, poderia estar aliado também com os traidores? Ou estou falando merda?

- Talvez eu não goste dele justamente por ele ter se aliado aos inimigos, vai ver só estou falando isso de raiva.

Ela tinha raiva sobrando dentro de si, afinal de contas. E normalmente a descarregava contra inimigos e pessoas que não gostava, então se Akira se provasse pender mais para o lado de inimigo ela provavelmente acabaria confrontando-o, apesar de ter em mente que não era uma ideia muito boa. Não gostava dele, mas não o atacaria sem a ordem de Edrik, não precisava piorar tudo apenas por não controlar suas emoções e por conta de uma infantilidade como aquela. Apesar de que... Akira havia ferido o segurança de Nymeria durante a operação, ferimentos esse que contribuíram na quase morte do mesmo, não ficaria surpresa se Nym pensasse por esse tangente.

- Se eles estiverem tentando isso, derrubamos eles de novo. Dessa vez derrubamos mais alguns prédios para garantir que vão estar realmente mortos. - Ela riu um pouco, trazia uma arma consigo como Edrik, mas essa estava no coldre escondido pela jaqueta fechada. Também preferia lutar com as mãos. - Talvez ele próprio esteja investigando algo sobre o incidente ou sobre a cidade num geral.

- Eu sei, idiota. Te conheço bem o suficiente para saber como pensa, não vou fazer nada se ele não demonstrar nenhuma intenção ruim. - Ela puxou a cabeça dele para perto de si, enquanto andavam, e deu um beijo na têmpora dele. - Acredite em mim, garoto-romântico, eu te conheço melhor do que você pensa.

Isso, por si só, seria um pesadelo para Edrik. Isto é, se Natasha não fosse sua aliada. E sua namorada. Ou amante. O que quer que os dois fossem. Ela sempre prestara atenção nele, desde o dia que o conhecera, de primeiro momento fora apenas curiosidade e uma ideia tola do que seria sua missão, sabia que entrara no Inverno Soviético para missões mais agressivas, mas também sabia que eles recrutaram uma criança por conta dos gêmeos. Eventualmente ela passou a gostar dele e a atenção dobrou. Sabia dizer o que Edrik estava pensando sem que o mesmo falasse, por isso faziam uma dupla boa em missões mesmo antes do relacionamento, ela sempre sabia o que fazer sem que ele precisasse falar. Caso não tivesse se apaixonado por ele e vice-versa, seria realmente a segurança ideal, porém todos os problemas começaram quando ele começou a aparecer em seus sonhos de uma maneira diferente da caótica natureza dos sonhos.

- Eu sei, sou foda. - Natasha riu junto de Edrik, normalmente soluções que causavam danos colaterais eram horríveis, mas naquele caso talvez fosse necessário. - Bem, essa cidade é estranha pra caralho. Reuniu um monte de pessoas que tiveram peso para as operações serem expostas das maneiras que foram. Começou com o sequestro e com a interferência da cantora maluca, aí teve o menino maluquinho batendo no riquinho em um bar ou algo assim e aí tudo acabou do jeito que acabou. Mas se tirar qualquer um desses pontos, é bem possível que a operação tivesse durado por mais tempo.

Ela sabia que havia pulado outros pontos importantes... Só não se importava com eles.

- Claro que não tem, você também me conhece bem.

Ela sorriu com o beijo na bochecha, Edrik era cheio de fofuras diferente dela. Funcionavam tão bem juntos, ambos se compreendiam bem e não havia nenhum sinal de complicações quando estavam lutando lado a lado e estranhamente Natasha sabia dizer exatamente quando aquilo começara, no mesmo dia em que suas conversas foram além de servente e mestre. Uma festa, aparentemente era uma data importante para os Lindbergs, algo sobre um plano que dera muito certo. Enfim, a ideia de comemorar não fora de Vlad, isso era certo, mas houve a festa e ela fora posicionada como segurança dos gêmeos junto de Ivan.

Para uma pessoa explosiva como Natasha era estranho lembrar-se tão vividamente de uma data como aquelas, de momentos tão silenciosos. A festa fora alguns anos após a ''morte'' da mãe deles e Natasha acompanhou Edrik até uma varanda, o local estava cheio de pessoas e para uma criança era fácil sentir-se sufocada ali. A música, as conversas, tudo ficou em segundo plano enquanto olhava Edrik falar. Já haviam trabalhado juntos antes em coisas mais simples, mas nunca tiveram uma conversa decente. Lembrava-se de ter rido junto dele, de terem passado horas na varanda conversando, apenas os dois. Em determinado horário ela acompanhou Edrik e Nymeria até seus quartos junta de Ivan e então pôde voltar para seu próprio quarto. Foi naquela noite que ambos entraram em sincronia e quando a ideia de que jamais estaria ao lado dele entrou na mente de Natasha. Lembrava-se de ter chorado enquanto estava deitada, sem fazer barulho algum.

- Siga os fios, uma hora ou outra dá para ver onde terminam, aí você atira naquela direção. - Natasha deu de ombros, entendia bem o que Edrik estava sentindo naquele momento. - E bem, coincidências ou eventos planejados, essa cidade é estranha, com pessoas estranhas. Sei lá, parece que Windfall é onde o destino acontece.

- Ah, eu sei bem disso. Na verdade esse papo me lembra que eu tenho que com-- - Ela se censurou por um momento, parecendo pensativa e então abriu um sorriso travesso. - Vou calar a boca, não quero estragar a surpresa.

Natasha havia torturado-se ao longo dos anos com imagens de alguém ao lado de Edrik, não ela, e esse alguém estaria fazendo dele a pessoa mais feliz do mundo. E apesar de saber que poderia olhar para ele e sentir-se feliz pela felicidade dele, sabia que a maior parte dela estaria sempre gritando em agonia, de ter que presenciar tal coisa e por anos teve um pesadelo: Ela estava em um local que fora reservado para um casamento, fazendo segurança do mesmo. Em todos esses pesadelos ela assistia conforme Edrik esperava no altar por outra pessoa que não fosse ela. Nem queria um casamento desses, nem mesmo sabia se queria se casar, mas sabia que queria estar ao lado dele. Agora esse pesadelo era algo do passado, tal como Edrik ela não iria abrir mão dele ou daquele relacionamento e não importava quem ela precisasse atropelar para fazer virar realidade.

- Aí pode tombar nas nossas cabeças, não é muito inteligente. Só mate Deus mesmo, é melhor. - Sim, tomar uma pancada na cabeça era muito pior do que tentar matar o divino. Ela riu, sabia que aquilo soava ridículo, entretanto Ivan uma vez fizera um comentário sobre a determinação de Natasha. ''Não há como pará-la quando ela decide fazer algo, o único motivo por ela estar viva até hoje apesar de ter sobrevivido mais do que todos aqui é que Deus é inteligente o suficiente para ficar fora do caminho dela.''. Gostara bastante daquilo. - Hum, mas se for um destino bom, vai ser aqui também.

- É uma surpresa, bobo. Não posso sair falando o que é.

Natasha olhava-o nos olhos com o mesmo sorriso confiante de sempre, era difícil imaginar o que se passava pela cabeça dela quando a mesma ficava assim. Mas bem, ela realmente queria que aquilo fosse uma surpresa para Edrik e sabia que teria que fazer um jogo sutil para saber se ele realmente estaria interessado sem que ele notasse o que ela planejava. O que era difícil pra porra, uma vez que Edrik era um mestre nisso e Natasha era extremamente direta com o que pensava. Talvez só devesse perguntar e, se ele não quisesse, não seria muito dinheiro jogado fora mesmo.

- Se eu não fosse exagerada, eu não seria eu. - Ela riu de novo, toda a sua natureza era exagerada... Precisava admitir que esse lado a incomodava um pouco, queria ser mais como Edrik. - Eu tenho sorte, então estamos tranquilos. - Natasha sorriu para ele, estaria ao seu lado até o fim, não importava o que acontecesse. - Estamos quase lá

- Eu tenho a leve impressão que você vai gostar dessa surpresa.

Na verdade a reação que esperava dele ia além de surpresa, iria começar com a surpresa, então um pouco de hesitação e por fim ele ficaria excitado, isto é, se gostasse da dita surpresa. Enquanto pensava sobre como seria a reação dele caso ele gostasse muito da surpresa, ela foi puxada por ele e retribuiu aquele beijo assim que os lábios dele tocaram os seus. Maldito garoto convencido, não era hora para lhe deixar com vontade de voltar mais cedo pro apartamento.

- As vezes você é tão fofo que dá vontade de... - Ela fez um gesto no ar, como se estivesse apertando algo entre suas duas mãos e então riu. Não era bem isso que dava vontade de fazer. - Está em boas mãos, querido.

Ela parou ao lado dele. Boa parte das janelas da mansão estavam quebradas, havia pichações no muro e provavelmente teriam no interior da mansão. Normalmente Natasha diria que provavelmente encontrariam alguns drogados ali dentro ou alguns adolescentes mais rebeldes, mas aquela mansão passava um ar estranho e bastava dizer que aquilo tudo não era o suficiente para intimidá-los, mas outros certamente dariam a volta e nem olhariam mais para aquele lugar.

- Ele veio aqui por quê? Ele é um vampiro por acaso? - Natasha perguntou, mas deu uma risadinha. - Vamos, já que é uma mansão teremos muito chão para cobrir.

- Bom, vá imaginando então.

Natasha tinha certeza de que Edrik não adivinharia o que era, ela fizera questão de comentar sobre usarem brinquedos alguns dias atrás apenas para deixar pistas falsas... Era impressionante o quanto se esforçava quando envolvia Edrik, jamais faria essa surpresa com nenhum outro tipo de pessoa, mas certamente seria mais direta nesse caso imaginário. Oh bem, o segredo estava seguro até então. Se ele adivinhasse ela não saberia como reagir.

- É mais te pegar. - Ela respondeu, rindo. - Sua deusa, é? Bom, certamente tenho o corpo de uma.

Confiança deveria ser sinônimo de Natasha, pois sempre tinha algo convencido à dizer sobre qualquer coisa. Irônico, pois chamara Edrik de convencido e exibido por tanto tempo apesar de ela própria ser tão convencida e exibida quanto ele. Não era tão surpreendente assim que combinassem tanto, ambos pareciam ter um gosto pelo lado mais teatral das coisas, ainda que para Natasha isso se limitasse a frases de se dizer antes de matar alguém.

- É, não soa não. - Ela respondeu, rindo. Quando Edrik disse que eles deveriam ser silenciosos, poderia notar que ao seu lado Natasha já estava com a perna erguida e em posição para derrubar a porta, mas abaixou a perna e suspirou, triste por não poder chutar a porta. - Aquela janela ali, não está quebrada, mas está aberta.